EXPONDO A NOSSA CAUSA À NOSSA MANEIRA
"...E pôs estas varas que tinha descascado em frente do rebanho, nos canos e
nas pias de água, aonde o rebanho ia beber e conceberam vindo a beber... diante das
varas e as ovelhas davam crias listradas, salpicadas e malhadas...” “Levanta agora os
teus olhos e vê que todos os bodes que cobrem as cabras são listrados, salpicados e
malhados...quot;, Gen. 30:37-43; 31:10-12
Esta história deste grande homem de Deus é das mais estranhas que encontramos
na Bíblia. De tão estranha que é, que vamos usá-la como texto para falar
de oração – mais estranho não podia ser, de facto. O que quero aqui
ilustrar, a meias com o facto de entrarmos a Deus expondo tudo de nossa
justiça e duma qualquer maneira que nos faça auferir algo daquela
confiança que é pura mas ainda se deve refinar, é que Cristo teve e
ainda tem como maneira de salvar e de simplesmente ouvir, sendo
injuriado e carregando sobre ele as nossas incoerências e maldades
sempre acusadoras e desafiadoras. Foi assim que diante da Cruz, ante e
depois dela, convenceu o mundo inteiro da altura que Ele era de facto
Deus. É assim que Cristo nos quer: sabendo que Ele é de facto Deus aqui
na terra e em qualquer outro lugar. Lemos que Paulo diz que o seu Deus
salva o mundo pela loucura do evangelho que consegue ser mais
sábio que a sabedoria de todos os homens juntos.
Antes porém de chegar onde quero, aconselhando desde já a voltarem ao início deste
capítulo e repetirem-no depois de o terminarem de ler, quero divagar um
pouco para chegar ao nosso porto sem demoras, pois o percurso é difícil
de analisar seguindo por outros rumos. Para iniciar esta caminhada em
direcção ao bom porto que vejo ao longe, sigo o rumo deste texto que
escolhi para dizer algo que ele nunca diz mas sempre vai insinuando cada
vez mais, à medida que nos vamos apercebendo que, devido ao estado de
todo o nosso coração, Deus tem necessariamente de penetrar em nosso
mundo para nos livrar dele, fazendo parte dele para que O sigamos para
fora dele, para dentro do Seu – Deus se fez igual a nós para nos tornar
igual e semelhantes a Ele de novo. Não se entra em casa do homem forte
para o manietar e desfeiquiar, antes de se poder tomar a sua casa para
sempre? Quero usar aqui, como referencia também, aquela fascinante
historia de Ester no Velho Testamento e da parte fascinante da Escritura
onde Cristo disse a Pedro para arranjar como se defender, dizendo-lhe
depois que duas espadas bastariam e repreendendo-o assim que usou uma
delas, curando a orelha que Pedro cortou. Eis aqui os textos:
"E perguntou-lhes: Quando vos mandei sem bolsa, alforje, ou alparcas,
faltou-vos porventura alguma coisa? Eles responderam: Nada.
(36) Disse-lhes pois: Mas agora, quem
tiver bolsa, tome-a, como também o alforje; e quem não tiver espada,
venda o seu manto e compre-a. (37)
Porquanto vos digo que importa que se cumpra em mim isto que está
escrito: E com os malfeitores foi contado. Pois o que me diz respeito
tem seu cumprimento. (38) Disseram
eles: Senhor, eis aqui duas espadas. Respondeu-lhes: Basta.
Quando os que estavam com ele viram o que ia suceder, disseram:
Senhor, feri-los-emos à espada? (50)
Então um deles feriu o servo do sumo-sacerdote e cortou-lhe a orelha
direita. (51) Mas Jesus disse:
Deixei-os; basta. E tocando-lhe a orelha, o curou". "Então Jesus lhe
disse: Mete a tua espada no seu lugar; porque todos os que lançarem mão
da espada, à espada morrerão". Espero de si que leia
Ester 2 também.
Lucas 22:35-38,49-51; Mat.26:52.
A ideia toda aqui, era porque Jesus disse a Pedro para comprar uma espada se é que
nunca a poderia usar, sendo-lhe mesmo dito que poderia vir a perecer de
igual modo, isto é, pela espada se a usasse? Porque seria importante
Pedro vender até seu manto para comprar uma espada, para levá-la consigo
sendo que de nada lhe serviria, pois não a poderia usar sob pena de
morte mesmo?
Sabemos que a confiança sempre foi parte vital da oração. Mas se no caso de Ester, a
sua confiança já não dependia de toda a sua beleza mas do seu Deus –
pois nunca acedeu sequer aceitar as coisas que diante dela se dispunham
para a enfeitar e parecer aquilo que não seria – não se pode dizer o
mesmo de outras pessoas que só conseguem confiar apenas nunca tendo
contra si a corrente de qualquer jogo, caso se ache jogando apenas com
as cartas que Deus lhes distribuiu, só que estas viradas contra si.
Pedro podia sentir a espada muito chegadinha a si, sentindo-se seguro
com ela apenas, mas nunca poderia chegar sequer a tentar fazer uso dela.
A ilusão de todo homem permite que ele se ache seguro em suas próprias
mãos, mais ainda tendo uma espada como ele. O importante para Cristo
seria a confiança que Pedro iria usufruir em momentos sem igual em toda
a história do universo, pois foi a única maneira de Pedro se achar
seguro e forte.
Como, pois, a confiança é vital, podemos assegurar que Deus em tempos de crise como
em Getsmane, permita veleidades estranhas aos seus discípulos desde que
estas não funcionem e que eles nunca façam uso das mesmas, mas estas
tenham como de lhes proporcionar um certo tipo de conforto interior que
logo se transforma em confiança num Deus mais poderoso que todos os
homens juntos, fazendo-lhes auferir uma certa falsa segurança sentindo
uma espada tão perto de si mesmos. Esta espada servia apenas para ganhar
tempo, até haverem passado aqueles momentos de perseguição, sem que até
lá, Pedro perdesse sua confiança. Depois, assim que o momento passou e o
orgulhoso saiu humilhado, separa-se o joio do trigo e queima-se a palha
que havia sido de grande utilidade até se tornar promíscua e
pecaminosamente atrevida. Não será uma incoerência Jesus mandá-los
comprar uma espada e depois repreendê-los ao fazerem uso da mesma? Para
que serviria a espada afinal senão para passar aquele momento?
Cristo fez-se muito sério mesmo quando lhes disse que vendessem até os seus
vestidos para trocá-los por uma espada. Da mesma maneira que eles haviam
dependido de levar consigo aquela bolsa que Cristo fez questão que fosse
um ladrão a carregá-la, para que levar bolsa se Judas se aviava da mesma
sem que Cristo o repreendesse sequer? (João
12:6). Não seria estranho se isto não se assemelhasse de certa
forma àquela maneira peculiar de Cristo se fazer referir à fé no Pai,
tendo dito que as pessoas que o seguissem não levassem mais que um
vestido para que confiassem aberta e conscientemente em quem os criou e
recriou por dentro. É obvio que isto só pode ter a haver com aquela fé
que diz para deixarmos até de pensar no que vamos vestir. Perante que
fenómeno é que nos deparamos aqui? Ora vejamos, pois nos parece haver
contradições onde não as há.
A espada que Pedro sentia muito chegada a si, foi usada como um instrumento
crucialmente permitido para um momento de prova sem igual, pois "Satanás
os pediu para os cirandar como trigo", (Luc.22:31,32).
Mais ainda – não só teria Pedro de ser cirandado, mas sim para que assim
outro tipo de palha se separasse do trigo com que alimentaria também a
fé dos seus irmãos de futuro. É obvio que isto tem pouco a haver com
oração, mas se quisermos ter uma pequena noção da realidade das provas
que por nós passam, teremos necessariamente de falar disto aqui e agora.
Tenhamos em mente tão só a confiança reforçada por uma agulha num banco
onde nos temos de sentar, mas sem desfalecer nem adormecer em tristeza
nesse mesmo banco. Ora, a espada para Pedro servia de instrumento de
animo, pois estaria em eminência um desanimo total. É obvio que a agulha
ali faz todo o sentido tal como faria a espada no seio de Pedro, tão
chegada a ele que mais perto não podia estar mesmo – era mesmo ali que
os valentes a levavam! E como seria necessário que Pedro se sentisse
valente naqueles momentos não só por causa dele mas também por causa de
seus irmãos, nada mais que uma ilusão, proveniente e concebida através
duma sabedoria sem fim de Quem a detêm para todo o sempre. Não será em
vão que cantam sobre ela entoando cânticos que a exaltam n’Ele, (Apoc.
5:12; 7:12).
Pedro só tinha que sentir que possuía uma espada o tempo suficiente até passarem
aqueles momentos sem paralelo na sua vida, pois, havia-se desprendido
dele toda a esperança que carregara com ele num Cristo Todo-Poderoso
durante aqueles anos que sempre O seguira – difícil seria passar por
eles sem se sentir seguro e poderoso, pois sem essa confiança a sua fé
seria um alvo fácil a abater por Satanás; e foi através daquela espada,
ali um instrumento de fé que nunca podia usar sem ser para se sentir
seguro, que Cristo assegurou a continuidade do Seu ministério através
dos tempos. Quando se apercebesse que de nada lhe valeria aquela inútil
espada diante de tantas outras e todas inimigas, já a ocasião de maior
crise haveria passado por si, pois a altura passou e nunca foi levado
junto com o Pastor das ovelhas, aquelas que apenas foram dispersas
naquela hora muito agreste para bem delas. Assim passou apenas três dias
sentindo-se impotente e miserável, até que os inimigos se sentissem
satisfeitos com o Sumo-Prisioneiro e os deixassem ir por essa razão
maioritariamente; Pedro voltou então às suas redes pescando
vingativamente a sua esperança perdida por o galo haver cantado. Nota-se
no fim do Evangelho de João o quão difícil foi esta dura prova para
Pedro, pois negara Quem quereria poder haver salvo – ele que deveria
sentir-se o único que realmente foi salvo por uma manobra muito bem
conseguida! Através do carregar duma simples espada a qual não lhe foi
permitida o uso sequer! Cristo fez Pedro sentir, depois e também, que a
quem muito é perdoado, muito amaria. E era preciso ele amar muito para
poder dar continuidade àquela obra do Mestre que negara – nunca mais se
esqueceria daquela humilhante prova pela qual não passara
voluntariamente, pois era obra de Planos proféticos de grande alcance!
Foi precisamente o que aconteceu com Jacob diante do rebanho de Labão. Para
ele seria importante acreditar que um seu estratagema estaria a resultar
diante das muitas e longas ofensas de Labão. Sentir-se-ia de certa forma
vingado através daquilo que fazia e sentia que Deus o apoiava nisso,
pois é importante as pessoas
sentirem-se apoiadas naquilo que fazem temporariamente vezes sem conta. Mais tarde,
porém, viria a surpresa da repreensão de luva branca, pois nada daquilo
que fazia era aceitável diante de Deus, quanto mais crer que Deus
necessitaria de um qualquer estratagema seu para fazer algo que ele
acharia justo. Os anos eram longos demais para um Jacob pequenino e
indefeso num mundo desconhecido longe dos seus, onde se sentiria muito
só e abandonado, pensando que Deus estaria só em Betel onde viu uma
escada com anjos subindo e descendo (Gen.28:18-22).
Para surpresa sua, Deus veio-lhe mostrar que as listras das cabras eram
concebidas uns meses antes dele tentar fazer com varas aquilo que os
bodes faziam por ordem e édito de Deus, daquele que não ficara em Betel
e que viera junto com o seu voto (de Jacob) e com a promessa de Abraão.
Foi Deus que na sua misericórdia enfrentara todo aquele vexame duma
família que vivia paredes-meias com aquele pecado comum às nações que de
Deus nada sabem e com uma verdade de onde proveio Abraão e sua fé real
num Deus vivo e imortal – o Deus todo-poderoso, o verdadeiro. Se a Jacob
fosse mostrado anos antes o que sucedia antes das ovelhas conceberem,
este poderia não vir a crer sequer, para além de se sentir mais
profanado interiormente, não havendo pensado que a concepção de qualquer
ovelha se dá precisamente uns meses antes de ele poder usar canas nas
pias de água, pois teria de sentir o estar a sujeitar-se a mais uma
repreensão à sua inteligência por um Deus que quereria ser sentido e
tido por perto, apoiando-o, em vez de o molestar com verdades que teria
como repreensivas em dada altura. Foi por essa razão que Deus lhe
permitiu aquilo tudo, as veleidades que no fundo não funcionam, mas que
no caso de Jacob pareciam funcionais na altura, pois foi assim que se
manteve durante os longos anos da vontade de Deus, auferindo bênçãos sem
conta! E para quem se via como esperto e forte, tal vexame seria demais
para uma fé já deformada e debilitada também, embora real. As veleidades
serviram um certo propósito permitidamente, mesmo sendo enganadoras.
Provem de amor sem fim o deixar que as pessoas se sintam seguras num
estratagema seu, enquanto se encontram na direcção certa. Mais Deus lhes
revela o que se passou de facto. A árvore cresce, deixa-se crescer todos
os ramos e só depois se poda os excessos que, para Deus nem sequer
aquece nem arrefece, quanto mais não seja para manter alguém em vida
(interior e não só, pois da sua confiança dependeriam as duas) durante
uma época de difícil provação.
É precisamente aqui onde nascem as muitas doutrinas falsas, pois ninguém
se dá ao trabalho de se tornar sábio e maestro até, nas coisas de Deus e
dos homens. Por essa razão disse Cristo que os filhos desta geração são
mais sábios que os filhos da Luz – o que não é pela vontade de Deus.
Nota-se que todas as falsas doutrinas têm sempre um fundamento de
verdade que as envolve e fortalece, pois de outra maneira não
subsistiriam por muito tempo. É assim com a confissão de pecados da
igreja católica, com o aceitar de Cristo com os evangélicos e não só. As
pessoas agarraram-se aos meios e esquecem ou nunca vêem a sua finalidade
em tudo o que se pretende alcançar, embora nem sempre de imediato.
Ora aqui está algo que gostaria de transportar para a nossa folha de oração, mas
não sem também rever um pouco de Isaías 53.
Vemos nesse texto o retrato fiel de alguém, Cristo, que procura
precisamente ser o objecto de uma óbvia tentação ao total desprezo. Com
que finalidade faz Deus isto? Lemos por exemplo que "nenhuma formosura
n’Ele é vista, desprezado e mais indigno entre os homens. Homem de dores
e como um de quem os homens escondem o rosto, desprezado, de quem não
fazemos caso nenhum". Mas, foi por estas "suas pisaduras que fomos
sarados". Como? Juntemos outra passagem a esta fenomenal "obra estranha
para executar o seu acto" avisados de que "não escarneçais, pois, para
que as vossas ligaduras (ao pecado e engano!) se não façam mais fortes"
ainda, (Is.28:21b,22a).
Aqui, Cristo se tornou vexame para nos poder proporcionar um caminho aberto, passando
Ele próprio por Ele próprio também nos levará pessoalmente, sob Sua
tutela. Ora, na oração, Cristo sabe que saímos da feitiçaria, do
logótipos, da promiscuidade e logo arranja sabedoria temporária, para
dela nos servirmos até a verdade nos ser manifesta tal qual ela é.
"Agora vemos como que num espelho (vidro fusco)", para depois vermos
como é de facto.
Jacob pensava que as cabras e ovelhas tinham seus filhos porque ele descascava
varas em frente ao rebanho e as colocava nas pias quando este bebia e
davam à luz. Isto sucedeu assim durante muito tempo e só depois de haver
enriquecido Deus lhe falou no assunto, corrigindo sua fé. Disse-lhe
assim: "Levanta agora os teus olhos e vê que todos os bodes que cobrem
as cabras são listrados, salpicados e malhados..."
É de esperar de Deus em relação a nós que, não por culpa d’Ele mas nossa, muitos dos
nossos estratagemas pareçam funcionar de facto, quando na verdade tudo
provém daquela graça impar a qual desconhecemos em experiência real,
porque confiamos em nós mesmos. Por essa razão, muitas vezes Deus nos
incita e permite ir orar na igreja ou num local onde achamos que Deus
nos ouvirá – quando Ele o pode fazer muito bem em qualquer canto do
mundo. Mas se a pessoa confia dentro da igreja apenas, no seio de Pedro
ou longe dele mesmo, logo Deus permite tais veleidades. Israel só cria
em Deus tendo um templo, tendo um rei ou vendo milagres em pecado. Mas é
de realçar que isso terá necessariamente de terminar a breve trecho,
pois nada disso é confiança real, tratando-se apenas de algo a que os
informáticos chamariam de "arquivo temporário".
Isto ocorre de facto na oração dos fracos em fé. Nem sempre nos convém anular as
veleidades das pessoas, mas instrui-las a acharem Deus nelas primeiro,
conquanto tais veleidades não sejam ofensivas a quem os criou. Não se
pode usar e abusar desta regra em relação ao pecado, mas apenas em
coisas fúteis que servem para conceber um coração confiante em Deus. Se
a pessoa sentir que vai ser ouvida jejuando, que jejue; se alguém se
sente seguro não comendo carne, que não se coma carne diante dele; assim
poderemos eventualmente levar a pessoa a patamares mais desenvolvidos e
seguros do ponto de vista espiritual e da fé, começando dali.
José Mateus
Portugal