INTRODUÇÃO
A minha história de vida começou em tempos muito distantes. Começou numa pequena vila no norte da Alemanha entre 1840-1850 onde vivia um pastor Luterano, Louis Harms. Através das suas pregações Deus trouxe um avivamento na região de Lunenburg. Mais e mais pessoas vinham à igreja assistir aos cultos, ao ponto de não haver lugar para acomodar toda a gente. Um culto já não era suficiente e Louis Harms necessitava de fazer cultos pela tarde também. Mas, logo se viu que também isso não bastava. Havia, no povo, uma fome enorme pela Palavra de Deus. No final, decidiu-se fazer três cultos ao Domingo e algumas pessoas chegavam a caminhar 80 km para assistirem aos cultos.
Naquele tempo, as pessoas eram maioritariamente pobres. Os filhos dos agricultores não viviam bem. Bebiam muito e entregavam-se ao mundo e aos seus pecados. Mas, sob as pregações de Lous Harms, os jovens começaram a converter-se. Pararam com suas vidas inúteis, pararam de beber e com suas vidas de mentiras e de falsa moralidade.
Um dia, chegaram a Louis Harms e disseram-lhe: “Pastor, queremos contar-lhe uma coisa. Temos uma enorme vontade de pregar o evangelho aos pagãos. Eles também precisam de ouvir esta mensagem”.
Louis Harms concordou com aquele desejo. Mas, a pergunta surgiu em seu coração sobre onde seriam formados estes jovens para que pudessem empreender tal responsabilidade. Então, enviou-os para a Universidade de Hamburgo. Contudo, duas semanas mais tarde, estavam de volta a casa muito tristes e desapontados com tudo. Qual seria a razão? Os professores acharam-nos pouco inteligentes para pregarem o evangelho. Porém, os jovens não estavam na disposição de aceitar tal desfecho para as suas pretensões e desejos de pregar o evangelho de Jesus. Então, Louis resolveu enviá-los para a Universidade de Bremem, mas, aconteceu a mesma coisa por lá e foram devolvidos a casa uma vez mais. Mas, nem mesmo este segundo rude golpe conseguiu demovê-los de pregarem o evangelho. No final, Louis Harms não viu outra saída para a questão senão criar uma escola onde formar os jovens como missionários.
Após haver resolvido este problema da formação, apareceu o segundo problema. Como fazê-los chegar a África? Era o desejo intenso de Louis conseguir fazer chegar estes missionários à África Oriental, para a tribo dos Gala, na Etiópia. Era um povo valente, mas, cheios de fome por honra e conquistas. A vida desta tribo consistia em conquistas e guerras. Louis estava convencido que conseguiria trazer esta tribo a Deus e que eles, por sua vez, iriam fazer chegar o evangelho ao resto de África. Com esse propósito, um navio foi construído. Foi um ato audaz de pura fé porque a congregação não era propriamente rica. Contudo, confiaram no Senhor e perguntaram-lhe em oração se Ele iria providenciar tudo que necessitavam para o efeito. Pouco tempo depois, um empresário de Hamburgo ofereceu todo o metal e outro material necessário para a construção do navio. Um outro comerciante providenciou a madeira e assim construíram aquele pequeno navio que passou a chamar-se Kandace.
Em 1854, Louis Harms enviou os seus primeiros missionários para África. Despediu-se deles com estas palavras: “Nunca mais nos veremos. Despedimo-nos aqui até ao dia que nos veremos no céu”. (De fato, os missionários nunca mais voltaram para a sua terra natal. Eles faleceram longe de seu país no meio dos povos pagãos de África. Não havia sido fácil, mas, eles ofertaram suas vidas para a propagação do evangelho de Cristo).
Assim, o navio partiu em direcção a África Oriental. Os missionários aproximaram-se de seu destino e atracaram, cremos, na região de Mombaça. Mas, logo se aperceberam que as portas da Etiópia não se iriam abrir para eles. Ficaram profundamente desapontados e não teriam outra alternativa senão voltarem para a Alemanha. Podemos apenas imaginar o tamanho do seu desapontamento. A caminho de casa, o navio atracou em Durban. Ali, os missionários começaram a tocar as suas trompetes na proa do navio. Merensky trabalhava, na altura, em Durban. Ele havia sido enviado por uma organização missionária de Berlim. Assim que ouviu as trompetes, deduziu imediatamente que se tratava de alemães. Subiu a bordo para conhecer os missionários de Hermannsburg. Quando terminaram de relatar toda a sua história de desapontamentos, Merensky confortou aqueles jovens com as seguintes palavras: “Fiquem aqui no meio da tribo Zulu! Os Zulus são tão guerreiros quantos os Galas. Tragam o evangelho a eles porque eles também não sabem nada sobre Jesus”.
Os missionários resolveram aceitar o conselho e ficaram na África do Sul. Foi o início da obra missionária Alemã entre os Zulus e, desde então, os Alemães tornaram-se muito familiares para os Zulus.
Depois disso, levou mais dez anos até que a minha família, os Stegens, embarcassem no Kandace e viessem parar em Durban. Chegaram para permanecer para sempre na África do Sul. Não chegaram como missionários, mas, como fazendeiros que desejavam prosperar para suportarem os missionários na obra de Deus. Houve outras famílias que chegaram antes e depois deles, mas, foi assim que os alemães começaram a povoar aquela zona da África do Sul. Não demorou muito até que houvesse uma comunidade alemã vasta e igrejas deles por todo lado.
INFÂNCIA E CONVERSÃO
Os meus antepassados que chegaram em 1869 eram de parte de minha mãe. Da parte de meu pai, chegaram apenas entre os anos 1881-1883. Na nossa história familiar nunca houve um pregador. Também, já no ano 1900 toda a família havia perdido contato com os familiares que permaneceram na Europa. Nunca mais ouvimos falar deles. Alguns de nós, daqueles que vieram viver na África do Sul, acabaram virando as costas para Deus com o decorrer dos anos. Meu pai e minha mãe permaneceram, contudo, dentro de uma disciplina evangélica rígida. Todos os domingos éramos obrigados a ir à igreja, frequentar os cultos e não era nada agradável. Por essa razão, eu já havia determinado em meu coração que, assim que me tornasse adulto, jogaria toda a religião para o alto e não iria querer saber mais nada de Deus. Claro que era de esperar que não usássemos o tempo que nos resta para aprofundar a nossa fé cristã. Muitas vezes, mentíamos para nossos pais para arranjarmos maneira de escaparmos aos cultos. Recordo-me que, por vezes, fazíamos planos para jogarmos à bola e inventávamos uma dor muito grande para podermos ficar em casa na hora do culto. Assim que os nossos pais saiam para o culto, vestíamos calções e íamos chutar a bola na rua. Com certeza que já não nos queixávamos de dor!
Apesar dessas coisas, a nossa família tinha fama e nome de quem era fiel à igreja e de quem frequentava os cultos assiduamente. Mas, a verdade era que éramos pessoas completamente mundanas. A sala de dança estava no nosso terreno. O chão era devidamente preparado durante dias para que as nossas danças corressem bem. Havia casamentos, noivados e outras coisas que serviam de desculpa para termos nossas festanças e danças. As pessoas de todo o condado e arredores frequentavam o nosso salão de bailes particular. Ali bebiam e dançavam. E esse tipo de vida persistiu até ao dia em que algo aconteceu em nossa igreja que marcou definitivamente a minha própria vida e a de outros.
O nosso pastor foi chamado para outro lugar e chegou um outro. Tínhamos o hábito de levar rebuçados para o culto. Assim, não adormecíamos nos cultos. Os bombons ajudavam a manter-nos acordados. Mas, com o novo pastor, as coisas mudaram. Os seus sermões pegavam em nós e faziam a diferença. Era algo que nos chamava a atenção naturalmente. E, ainda por cima, ele tinha uma mão segura sobre nós, as crianças. Lembro que quando havia corridas de carros em Pietermaritzburg por altura da Páscoa, pediamos que seus sermões fossem mais curtos para podermos ir assistir a elas. Então, ele fazia o sermão durar apenas uns dez ou quinze minutos. Para nós, era uma coisa muito linda e todos afirmavam que aquele era, realmente, o melhor pastor que alguém podia desejar. “É o melhor pastor do mundo! É o homem mais certo para nós! Não poderíamos desejar melhor!” Era o que todos diziam.
Mas, na verdade, o nosso pastor era a pessoa mais infeliz do mundo. Ele apercebia-se que faltava algo muito importante em sua vida. Nunca teve paz em seu coração desde a sua meninice. Pensou que alcançaria essa paz tornando-se pregador da Palavra. Foi assim que saiu para a Europa para estudar teologia durante um ano. Como era uma pessoa muito talentosa e inteligente, teve a melhor prestação nos estudos. No final dos seus estudos, os seus professores não o queriam deixar voltar para África. Desejavam que se tornasse pregador na Europa e tentaram de tudo para convencê-lo que toda aquela inteligência nunca seria prestável ou apreciada em África. A isso respondeu da seguinte forma: “Sabem, na minha terra (África do Sul) as bananas são todas tortas e preciso ir lá endireitá-las!”
Os professores concordaram com ele rindo, pois, viram que seria inútil persistirem contra seu desejo. Deixaram-no voltar a África. Tornou-se missionário e, com o decorrer do tempo, tornou-se o pastor de nossa congregação.
Contudo, ficou claro para ele que os seus sermões e obra não conseguiam preencher as suas necessidades espirituais mais básicas. Por vezes, ficava com a impressão que deveria trabalhar mais e até começou a ter mais cultos durante a semana. Como consequência disso, esgotou-se completamente e já não conseguia terminar a obra de abrir mais congregações aqui e ali. Toda a situação levou-o a um esgotamento, o que o levou a consultar um médico Judeu. Após a consulta, o médico disse-lhe isto: “Eu admiro-me muito que vocês, crentes, tenham tanto medo da morte. Vejo que os meus pacientes cristãos dizem que crêem no Messias e são os que mais têm medo de morrer!”
Para o nosso pastor, aquelas palavras foram como um murro no estômago. O médico aconselhou-o a parar por três meses se quisesse evitar um colapso nervoso e esclareceu que, caso isso acontecesse, iria acabar internado em algum hospital. O nosso pastor não acatou as palavras do seu médico e foi para casa, desmotivado e triste. Mas, as palavras do médico sobre os crentes tiraram-lhe a paz que ainda lhe restava. Depois de pensar lucidamente durante um tempo nelas, chegou e disse à sua esposa: “Eu não consigo acreditar que não haja uma pessoa neste mundo que não me consiga ajudar. Tenho consciência de uma grande falta em minha vida, mas, não consigo colocar meu dedo no problema. Não consigo ver qual é o problema. Tenho a certeza que em algum canto deste mundo deve existir uma pessoa capaz de ajudar-me”.
Partiu em viajem decidido a encontrar alguma pessoa que soubesse ajudá-lo. Estava decidido a não regressar enquanto não obtivesse todas as respostas para todas as suas questões, ainda que tivesse de viajar pelo mundo todo. Foi assim que chegou a Pretória onde encontrou um evangelista. Era de se saber que havia muita gente que não gostava nada do evangelista em questão e muitos até falavam mal dele e o desprezavam. Mesmo tendo conhecimento de tudo que acontecia à volta desse evangelista desprezado, nosso pastor resolveu, ainda assim, ir conversar com ele sobre as suas necessidades espirituais. Tinha esperança de encontrar as respostas naquele homem.
Ao entrar, o nosso pastor teve um grande desapontamento. O evangelista mal conhecia o Grego arcaico e o seu Hebraico também não era lá grande coisa. Perguntou-se: “Como é que este homem me pode ajudar? Ele sabe menos que eu! Se nem conhece os idiomas nos quais a Bíblia foi escrita, como poderá este homem ajudar-me?”
Contudo, o evangelista conhecia o Senhor Jesus e sabia orar de forma a ser atendido. Enquanto escutava o seu visitante, clamava a Deus secretamente: “Senhor, suplico-te que anules as coisas que impedem este homem de Te ver. Brilha com Tua luz n’Ele porque ele precisa de Ti”. No fim da visita, o evangelista propôs que orassem juntos. Assim que se ajoelharam, o pastor entendeu pela primeira vez as palavras de Jesus: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir, entrarei e cearei com ele e ele Comigo”, Apoc.3:20.
Foi somente naquele preciso momento que se apercebeu que Deus sempre esteve fora de sua vida. Não vivia em seu coração – só na sua cabeça. Com uma fé de criança confiante pediu ao Senhor para entrar em seu coração. Foi uma experiência maravilhosa para o nosso pastor, pois, todo seu interior mudou e quando se levantou de seus joelhos tinha uma paz que nunca havia experimentado. Foi o dia mais importante de toda a sua existência. Voltou logo para a sua congregação e no domingo seguinte estava de volta ao púlpito. A sua pregação havia mudado radicalmente. Era como se o estivéssemos ouvindo pela primeira vez. Ouvindo todas as suas palavras, dava para perceber que algo muito significativo havia acontecido com ele. Diante de nós estava um novo homem, uma criatura completamente nova.
Tudo que lhe aconteceu teve a capacidade de impressionar-nos a todos. Eu sabia que também precisava de tudo aquilo que meu pastor havia achado porque eu não conseguia vitória sobre nenhum dos meus pecados e de minhas tentações. Era uma guerra constante a que se dava dentro de mim. Éramos seis filhos, cinco rapazes e uma menina. A menina era a mais nova. Quando íamos para a Santa Ceia, íamos muito pesados porque as nossas consciências pesavam bastante e acusavam-nos. Estávamos sempre conscientes da nossa natureza pecadora nessas ocasiões. Após confessarmos certos pecados e depois de havermos participado na Ceia, voltávamos para casa mais leves, isto é, menos pesados. Mas, a caminho de casa, já os meus irmãos começavam a brigar e tudo voltava ao usual. A verdade é que o arrependimento chega sempre tarde. Quando chegávamos a casa, já não tínhamos a paz que havíamos obtido durante o culto da Ceia por havermos brigado muito no caminho. Isso preocupava-me bastante e eu sabia que já estava contaminado com pecado novamente. Sentia-me sujo. Então, percebia que teria de esperar mais três meses para a próxima Ceia para tornar a confessar os meus pecados. Essa ideia perturbava-me bastante. Quando chegava a hora que era pronunciado o perdão de nossos pecados novamente, sentia-me deveras feliz. Contudo, nada mudava. Continuava sendo desobediente a meus pais, respondia e falava alto; não honrava meus pais; dava sempre a minha opinião e fazia aquilo que me apetecia. Variadíssimas vezes, apercebia-me que agia mais como um filho do diabo que um filho de Deus. A minha consciência perturbava-me continuamente e tinha plena consciência que desprezava o mandamento de Deus, o qual diz-nos para honrarmos nosso pai e nossa mãe. Sabia que pecava contra Deus, principalmente nesse aspecto. Tudo isso fazia-me muito infeliz e dizia: Senhor, eu nunca mais farei tal coisa, nunca mais cometerei tal pecado. Não quero mais ser assim”. Mas, não demorava muito e voltava tudo ao mesmo.
O nosso pastor exteriorizava a sua nova relação com Jesus. Ele vivia um momento lindo. Pregava que precisamos de Jesus incondicionalmente em nossas vidas e que não teríamos como nos libertar de nós mesmos de outra maneira, porque somente Ele pode libertar-nos de todos os nossos pecados. Somente Ele poderia fortificar-nos ao ponto de obtermos êxito total lutando contra os nossos pecados. Isso causou uma transformação em minha própria vida. Eu orava com lágrimas: “Senhor Jesus, preciso muito de Ti! Liberta-me da minha desobediência, da minha vontade de brigar e da minha boca grande!” E tudo mudou. Já não era preciso que alguém me dissesse para ir à igreja e sentia-me muito mal quando não podia ir. O Senhor Jesus também começou a operar em nossa casa. Não demorou muito até que o salão de danças e de bailes fosse transformado em um lugar onde a Palavra de Deus era pregada e ensinada. Aos poucos, chegava mais e mais gente para ouvir o evangelho em nossa casa.
Após a minha conversão, a Bíblia tornou-se o livro mais amado e mais querido. Nunca fui amigo de leitura e até mesmo na escola a leitura era, para mim, um castigo enorme. Mas, assim que Jesus entrou em meu coração, tudo mudou e eu podia ficar horas e horas, noite e dia, lendo a Bíblia e lendo todos os livros sobre avivamento. O meu coração ficava cheio de alegria lendo como as pessoas vinham a Jesus e verificando como os seus corações eram profundamente tocados pelo Deus vivo. A Bíblia tornou-se o livro mais importante da minha vida e perdi a vontade de fazer qualquer outra coisa. Não havia nada mais com valor para mim.
Quando a minha família saia para visitar alguém, eu tratava sempre de arranjar uma desculpa para ficar em casa. Nunca lhes contava que desejava ficar em casa para ler a Bíblia e cantar do hinário de Salmos que tinha. Antes disso, nunca alguém me via cantar. Mas, Jesus mudou tudo em mim, pois, eu já não conseguia ficar sem cantar. Sempre que ficava sozinho em casa, pegava em minha Bíblia e lia-a de joelhos. Quando a família estava em casa, eu pegava na Bíblia e dizia-lhes que ia caminhar um pouco. Desaparecia entre as plantações de árvores e passava ali horas muito agradáveis e produtivas. Jesus falava mesmo comigo. Onde fosse ou onde estivesse, no campo ou em cima do trator, meu Novo Testamento estava sempre comigo. Lia um capítulo atrás do outro e até os memorizava. Ninguém me obrigava a fazer isso, mas, a própria Palavra criava um desejo enorme e ela vivia dentro de mim. Era, para mim, mais doce que o mel.
Os meus colegas de escola vivam uma vida superficial e inútil. Passavam seus dias com as moças. Não conseguiam entender por que razão eu era diferente e que proveito eu tirava de tudo aquilo. Não entendiam como é que eu podia passar horas lendo minha Bíblia. Mas, a verdade é que Jesus significava muito para mim. Ele era grandioso a meus olhos. Tornou-se o meu primeiro amor. Experimentava uma alegria muito profunda e inexplicável. Sentia um grande encorajamento através das promessas que o Senhor fazia na Bíblia. Por exemplo, João 15:7: “Se vós estiverdes em mim e as minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes e vos será feito”. E eu pensava para mim que, nem que fosse a única promessa existente na Bíblia, ainda assim seria a pérola mais preciosa na face da terra. Contudo, não era a única promessa. Li mais adiante: “Até agora nada pedistes em meu nome; pedi, e recebereis, para que o vosso gozo se cumpra”, João 16:24. Estas palavras enchiam-me de um gozo inexplicável. Se era verdade aquilo que lia, podia pedir qualquer coisa para que a Sua alegria em nós transbordasse e fosse plenamente aperfeiçoada. Outra promessa que causou uma grande impressão em meu espírito: “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço e as fará maiores do que estas, porque eu vou para meu Pai”, João 14:12.
Todas estas coisas aconteceram entre os anos 1949 e 1951. Ainda era muito jovem e tudo era aceite e crido com uma fé espontânea de criança. Sempre que lia as palavras de Jesus que diziam “Na verdade, na verdade, vos digo…” eu cria nelas como se da verdade se tratasse e nem questionava nada. Jesus não era mentiroso! Em Mateus, Marcos, Lucas e João eu lia sobre as obras de Jesus e dizia para mim que, se deveras crêssemos em Jesus e a Sua palavra fosse viva em nós, de acordo com aquela promessa, faríamos qualquer obra que Ele fez e até mesmo obras ainda maiores que aquelas. Não consigo achar palavras para explicar tudo o que aquilo significava para mim na altura. Era como se o Céu se tivesse aberto! Jesus e a Sua Palavra eram tudo para mim. Não tinha tempo para moças e para qualquer outra coisa do mundo.
O CHAMADO DE DEUS
O pensamento de alguma vez tornar-me Pastor nunca me cruzara a cabeça. Eu sempre dizia: “A coisa mais ruim é alguém ser professor. Mas, alguém ser pastor ainda é pior que isso!” Meus pais e avós desejavam muito que me tornasse fazendeiro. Mas, o meu alvo era fazer dinheiro e ser rico. O dinheiro era o meu deus. Já quando era criança desejava ser rico e até cheguei a fazer uma plantação de tabaco para vendê-lo. Enquanto os meus amigos queriam andar com as moças, eu fazia tudo para andar atrás de dinheiro. O meu pensamento era: “Primeiro o dinheiro. Depois, as outras coisas”.
Eu não pensava sequer na obra missionária. Após haver completado a escola, prontifiquei-me logo para ir ajudar o meu pai em sua fazenda, onde morávamos e trabalhávamos felizes. Foi ali que, pela primeira vez, ouvi o chamado de Deus de forma inesperada. Chamava-me para ir trabalhar na Sua vinha. Minha mãe havia oferecido um livro a cada um de nós pouco tempo antes disso. O livro que me calhou foi um de Werner Heukelbach. Era a história de um homem que experimentara uma transformação em toda a sua existência e vida. Antes havia sido um homem iníquo e pecador e, mais tarde, um evangelista. Aquele livro chegou a mim no momento mais apropriado. Não poderia ter chegado em melhor altura. Foi, então, que senti que Deus me queria na Sua obra. Disse de pronto: “Senhor, se me pedires isso, estou pronto e disposto para ir”. Naturalmente que naquela fase de primeiro amor e de grande entusiasmo pessoal, eu não havia feito as contas sobre tudo o que me iria custar. Dirigi-me de imediato aos meus pais, irmãos, irmã e, também, ao meu pastor, dizendo que eu estava seguro que Deus me estava chamando para a a obra missionária. O nosso pastor ficou muito entusiasmado e convidou-me para ir com ele para Transvaal-Este. Havia ali uma conferência onde iriam estar os melhores e mais conhecidos evangelistas do mundo. Concordei e tinha a convicção de que aquela conferência seria uma enorme bênção para mim.
Era a primeira vez que me afastava da minha família e da fazenda. Lá no Transvaal tive muito tempo para pensar e repensar na decisão sobre o meu futuro. Foi então que me apercebi que seria o fim do trabalho na fazenda que muito amava. Iria deixar os meus pais e irmãos. E também não conseguia aceitar ser um pastor pobre e viver como um pobre coitado. O dinheiro ainda significava muito para mim. Os meus pensamentos começaram a ver a vida que o nosso pastor levava e muitos outros iguais a ele. Via como eles apenas sobreviviam na pobreza e não faziam mais nada senão pregar, batizar e enterrar pessoas nos funerais. Eu reconheci que eu não desejava ser assim. Definitivamente, aquilo não era obra para mim!
Assim, estava disposto a recuar na minha decisão porque eu simplesmente não estava na disposição de seguir por aquele caminho. Naquela conferência havia, de fato, bons pregadores. Quando assistia o culto da noite o meu coração clamava alto e dizia: “Senhor, estou disposto a seguir-te, quero seguir Teu caminho”. Mas, na manhã seguinte, o meu coração estava novamente endurecido e decidi que ia voltar para casa. Escutava mais um culto à noite e desejava seguir ao Senhor. O meu coração derretia-se a favor do Senhor e de Sua causa e estava disposto a atender o Seu chamado. Mas, no dia seguinte, repetia-se aquela dureza novamente. E assim continuava até que uma manhã decidi mesmo voltar para casa e tornar-me fazendeiro. Mas, havia um problema que eu não sabia como resolver: havia afirmado ao meu pastor que ouvira a voz de Deus e que Ele me chamara. O que responderia se ele me perguntasse qual a razão por que mudara de ideia? Antes, havia dito claramente que Deus me havia chamado para a Sua obra e até convenci todos que estava firme na minha convicção. E agora precisava arranjar maneira de sair daquela enrascada. Estava, deveras, desolado.
Mas, um outro problema surgiu. O que responderia à minha mãe quando ela perguntasse como é que a minha volta para casa rimava com o tal chamado que eu afirmei vir de Deus? Aquelas questões perturbavam meus pensamentos. Até que cheguei a uma ideia brilhante: na conferência falara-se de como algumas pessoas afirmavam haver tido uma palavra de Deus quando abriam as Escrituras. A ideia surgiu e vi nela uma maneira de sair daquela situação complicada onde me metera. Diria ao meu pastor que havia ouvido mal ou que, talvez, Deus me tivesse colocado à prova como colocou Abraão quando lhe pediu para sacrificar seu filho, Isaque. Deus só desejava colocar à prova a capacidade de Abraão obedecer-Lhe. Deus somente quis provar a sua fidelidade a Ele. Tal como Deus permitiu que Isaque ganhasse sua vida de volta, desse mesmo jeito Deus permitia que eu voltasse para a minha. Ganhava minha vida de volta como Isaque e ia trabalhar na fazenda completamente dedicado a Ele. Mas, precisava confirmar isso com uma palavra abrindo as Escrituras em qualquer lugar.
Também poderia usar o mesmo argumento com minha mãe. Fazendo isso, tudo se encaixaria dentro da verdade que eu supunha. Ninguém iria discutir mais comigo e todos concordariam com os argumentos apresentados. Resolvi afastar-me dali um pouco sentei-me em cima duma rocha. Só precisava pedir a Deus uma palavra na Bíblia, onde ela se abrisse. Peguei em minha Bíblia e expliquei ao Senhor como Ele havia de proceder comigo, e como devia dar-me uma palavra que revertesse toda a minha decisão. Expliquei-Lhe o queria de minha vida. Eu iria trabalhar numa fazenda minha e usaria o meu dinheiro para suportar a igreja e os missionários. A minha casa estaria à disposição de Deus para estudos bíblicos, reuniões de oração e quaisquer cultos. Expliquei a Deus tudo que sentia nos mínimos detalhes. Era isso que desejava para a minha vida. Então, orei: “Senhor, não desejo fazer todas estas coisas sem Ti. Preciso da Tua bênção sobre a minha decisão e sobre tudo que irei fazer por Ti. Agora, preciso que me dês uma palavra para confirmar todos estes planos que tenho e os quais compartilhei contigo”. Atrevi-me a abrir a Bíblia na esperança que algum versículo se destacasse e estivesse em negrito. Mas, foi um desapontamento total. Os meus olhos caíram sobre um versículo de letras normais no lado direito da Bíblia. Como isso aconteceu não sei dizer, mas, vi aquele versículo: “Vinde após mim e eu vos farei pescadores de homens”, Mat.4:19.
Fiquei zangado e fechei a minha Bíblia com estrondo como se tal coisa fosse capaz de tirar de mim aquelas palavras que não desejei ver ao abrir a Bíblia daquela maneira. Eu estava a ferver por dentro e na minha raiva disse: “Senhor, vou-Te mostrar que eu não farei isso! Eu não me tornarei pescador de homens nenhum! Eu não quero isso para a minha vida e prefiro passar pela vida sem Ti do que fazer isso!” Voltei para o lugar das conferências, arrumei as minhas coisas e disse ao meu pastor de forma grossa e curta que estava voltando para os meus pais na província do Natal. Ele ficou tranquilo e não me disse nada. Mas, passado um pouco de tempo acabou por me dizer:
“Erlo, tens a certeza que essa é a vontade de Deus para ti?”
“Sim, claro que tenho!” disse-lhe e tornei a confirmar-lhe uma vez mais.
“Então, não desejo tornar a falar sobre este assunto contigo. Quero que seja a última vez”.
Foi dessa maneira que consegui enganar meu pastor e mentir-lhe. É uma coisa inexplicável que um crente tenha a coragem de mentir daquela maneira! Naquele dia apercebi-me como o coração do homem pode tornar-se tão mau de um momento para o outro. E eu já me podia considerar um filho de Deus.
O meu pastor levou-me para a estação para apanhar o transporte para casa. Antes de partir, ele ligou para os meus pais para informar que chegaria à estação de Pietermaritzburg às seis horas da manhã seguinte. O meu pai e os meus irmãos foram buscar-me. Assim que nos encontramos na estação, um deles disse alegre: “É tão bom que estejas de volta! O nosso Deus é verdadeiramente um Deus de amor!”
Naturalmente que os meus irmãos não conseguiam imaginar nada do que se passava dentro do meu coração. Eu sabia muito bem que não havia sido aquele Deus de amor que me trouxera de volta! Estava em rebeldia e em oposição a Deus. Virara as minhas costas a Ele e havia-Lhe dito que não desejava seguir o Seu caminho para a minha vida.
Uns dias mais tarde, encontrava-me sozinho com minha mãe e ela perguntou-me de repente: “Erlo, o que aconteceu? Tu primeiro disseste-nos que o Senhor havia-te chamado para trabalhar na Sua vinha e agora voltaste atrás. Por que razão fizeste isso?”
O que poderia dar como resposta ali a uma pergunta tão direta? Não tinha palavras para responder-lhe. A única coisa em que pensei foi fazer chantagem emocional: “Mãe, se a senhora não me quiser mais aqui, basta dizer!” Saí dali abruptamente e enfurecido, batendo a porta atrás de mim.
Isso também significou o fim dos cânticos e de ler a Bíblia. Não tocava mais na Bíblia. Os dezoito meses que se seguiram foram, para mim, o inferno aqui na terra. Eu tinha de reconhecer que desobedecer a Deus é dez mil vezes pior que obedecê-Lo. Uma decisão contra Deus leva-nos por um caminho muito difícil. Nunca mais quero passar por tal coisa. Dizemos com frequência: “O preço que se paga para seguir Deus é muito alto para mim. O sacrifício é grande demais! Não consigo pagar todo esse preço”. Mas, podem crer em mim que o preço da desobediência é maior e mais difícil. Após dezoito meses, entrei em meu quarto para ajoelhar-me. Pela primeira vez depois daquela guerra terrível haver começado, peguei em minha Bíblia novamente. O meu olho caiu, novamente, sobre um versículo específico que falava do amor de Deus por mim. É muito difícil explicar o que se passou em meu coração entorpecido e destroçado naquele momento. Muito triste, dizia ao Senhor: “Senhor, como é possível ainda teres amor por mim? Mesmo tendo esbofeteado Teu rosto e de ter virado minhas costas para Ti, ainda assim me amas!” Não consigo descrever aqui tudo que se passou, mas, resumindo, posso dizer que o amor de Deus desarmou-me completamente. Meu coração insensível ficou partido e toda a resistência desapareceu como nevoeiro diante do sol quente. Chorei como uma criança e nunca consegui entender como o Senhor ainda tinha amor por mim. Logo a mim que o magoou tanto. Naquele momento experimentei o que é, realmente, o amor de Deus.
Uns dias depois, tornei a abrir a minha Bíblia onde lia: “Simão, filho de Jonas, amas-Me mais do que estes?”, João 21:15. Era como se o Senhor estivesse ali do meu lado perguntando: “Erlo, amas-Me realmente?” É verdade que amava meus pais, meus irmãos, a casa de meus pais e a fazenda. Mas, agora o Senhor perguntava-me se O amava a Ele. Sim, eu amava o Senhor, nem teria como não amá-Lo. Pedro respondeu-Lhe: “Sim Senhor, Tu sabes que te amo”. E o Senhor respondeu-lhe de volta: “Apascenta as minhas ovelhas”. O Senhor tornou a perguntar a Pedro se o amava. Pedro tornou a pensar e a responder da mesma forma. E Jesus disse-lhe para apascentar as Suas ovelhas. Mas, na terceira repetição, Pedro entristeceu-se com a pergunta e clamou: “Senhor, Tu sabes todas as coisas, sabes que Te amo”. E foi assim que aconteceu comigo, também. E Jesus respondia: “Apascenta as minhas ovelhas!” Bastou para mim. Levantei-me de meus joelhos, fui ter com minha mãe e disse-lhe: Mãe, agora vou começar uma nova vida!”
Logo de seguida, procurei meu pastor e disse-lhe que as minhas dúvidas haviam chegado ao fim e que toda a guerra interior dos tempos anteriores havia sido encerrada. E foi assim que comecei uma vida completamente nova. Inscrevi-me, de imediato, numa Escola Bíblica e, desde então, nunca mais tive qualquer dúvida sobre o chamado de Deus.
DOZE ANOS NO DESERTO
Antes de ter iniciado o meu ministério em 1951, eu ainda disse uma coisa ao Senhor que me traria grandes problemas no futuro.
“Senhor, este passo que estou dando está-me custando um preço muito alto. Estou deixando os meus pais, a minha herança, os meus irmãos e irmã, tudo que possuo ou que poderia considerar como meu. Por essa razão oro e peço que, por causa do Teu nome e onde eu andar Contigo por esta terra, eu não esteja brincando às igrejas. Eu saio nessa condição. Se saio para pregar o evangelho, quero fazê-lo da maneira que Tu fazias e não me importa onde isso aconteça. Mesmo não trabalhando numa igreja de tijolo, que seja nas montanhas, no campo, eu desejo pregar da maneira que vem nas Escrituras. É dessa maneira que desejo servir-Te. E que as Tuas promessas e a Tua Palavra se manifestem em minha vida e se cumpram da maneira que vem na Bíblia. Da maneira que Tu pregavas e ensinavas as pessoas quero eu ensinar e pregar também, porque dizes na Tua Palavra: “Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós”, João 20:21”.
Quando terminei os meus estudos no Seminário, aconteceu algo inesperado. O Senhor abriu uma porta para ir pregar entre os Zulus. Nós vivíamos no meio dos Zulus, mas, eu nem sequer falava Zulu. De todos em minha família, eu era o mais fraco nesse aspecto, pois, era de todos o que menos conseguia expressar-me em Zulu. Por essa razão, eu não conseguia entender muito bem por que razão Deus me enviava para o meio dessa tribo. Fiz o seminário numa escola branca e agora o Senhor abria uma porta entre os negros Zulus. Era claro que Deus tinha outros planos diferentes dos meus. Mas, como eu amava ao Senhor, desejava fazer a Sua vontade. E foi assim que me tornei um missionário entre os Zulus.
Durante muito tempo, os Zulus escutaram a minha mensagem, mas, diziam: “É verdade, o Cristianismo é uma coisa excelente. O Cristianismo trouxe-nos coisas muito boas. Existem escolas, hospitais e até podemos tornar-nos pessoas qualificadas. Contudo, o Cristianismo ainda é uma coisa estranha para todos nós. Continua sendo a religião dos brancos, feita para os brancos. É a religião deles, é a sua tradição. Vocês, os brancos, têm os vossos Deuses: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. Mas, nós temos os nossos espíritos e todos eles também têm nomes. Mesmo que o Cristianismo não seja uma coisa má na generalidade, ainda assim não basta para nós. Não serve. Para nós é como uma água que se joga em cima do fogo para apagá-lo. O Cristianismo até apaga o fogo, mas, não tem poder para alcançar as raízes das nossas vidas e da nossa cultura. Por isso é que necessitamos manter os nossos deuses e precisamos manter as tradições dos sacrifícios aos espíritos que herdamos de nossos pais e antepassados”.
Os Zulus também me diziam: “O Cristianismo é uma coisa boa. Mas, é pena que queiram pregar para nós, trazendo o evangelho, para nós, os negros. Seria muito melhor para vocês levarem essas palavras aos brancos para que eles se convertessem primeiro! Nós trabalhamos para os brancos e bem sabemos como eles são. Brigam muito e ficam zangados e impacientes por tudo e por nada! Eles tratam mal e xingam muito facilmente. São pessoas que não têm amor. Não vemos esse amor neles”. Alguns iam mais longe ainda e diziam-me: “Nós não te queremos mais aqui. Vai pregar para os brancos! Vai ver as coisas que eles fazem! Eles vão aos cinemas, bebem muito, fumam, são imorais. E tu vens pregar para nós para nos converter? Por que razão não se convertem vocês? Se vocês se converterem de verdade, poderíamos ver mais claramente o que o vosso evangelho significa e que ele funciona!”
Seis anos depois de haver começado esse ministério, orei a Deus muito intensamente e disse: “Senhor, dá-me a sabedoria e o poder do Espírito Santo para eu poder convencer este povo que Tu não és somente Deus dos brancos, mas, que és Deus de todos os povos e que Jesus morreu para salvar qualquer pessoa. Que possam ver que Jesus, o Filho do Deus vivo, é Salvador para todo mundo e para toda a humanidade. Que saibam que ninguém chega ao Pai senão por Jesus”. Logo de seguida, preparei-me exaustivamente para trazer-lhes uma mensagem. Nessa época, assistiam às pregações centenas de pessoas. Eles chegavam de todos os lados. Comecei pelo Velho Testamento e revelei-lhes como os profetas já falavam antecipadamente no Messias e previam a Sua vinda; como Jesus veio de uma maneira muito invulgar havendo nascido de uma virgem; como Jesus ainda com doze anos de idade se sentava no Templo argumentando com os doutores da Lei. Prossegui falando do seu batismo, das tentações no deserto, do Seu ministério na terra e sobre a Sua morte em Golgota para reconciliar o mundo com Ele. Prossegui falando sobre a maneira como ressuscitou dos mortos e como subiu aos céus. Afirmei que agora encontrava-se à direita do Pai e que todo poder no céu e na terra Lhe havia sido dado. E frisei, ainda, que nenhuma pessoa aqui da terra pode ser ajudada ou guardada sem ser pelo nome de Jesus. Não existe outro nome no céu e nem debaixo na terra que nos possa preservar em segurança. E Ele voltará um dia para julgar os vivos e os mortos, (continuei) e todo aquele que n’Ele crê nunca será condenado com a morte eterna. Tentei de tudo para convencer os meus ouvintes que Jesus era a única saída, o caminho, a verdade e a vida e que ninguém se salvaria a não ser através do nome d’Ele. Finalizei a minha mensagem com as seguintes palavras: “Jesus é o mesmo hoje, ontem e será para sempre a mesma pessoa. Tudo muda, mas Jesus nunca mudará. Ele ainda é o mesmo que era dois mil anos atrás. Por isso, não precisam ir aos feiticeiros, aos izinyanga e izangoma e não precisam procurar contatos com os mortos. Venham a Jesus, a Ele que vence a morte e que ressuscitou e é o Deus dos mortos e dos vivos. Venham a Jesus com vossos pecados, necessidades e problemas. Deixem os mortos, pois, existe um Deus vivo! ”
Não tinha a menor suspeita do que aconteceria depois deste sermão. Não imaginei onde me havia metido. Uma pessoa presente no culto escutava atentamente as minhas palavras. Assim que o culto terminou, aquela senhora Zulu, de idade avançada, chegou e disse:
“Mfundisi (Pastor), diga-me: isto tudo que o senhor acabou de dizer é mesmo verdade? É mesmo assim como o senhor disse?”
“Claro que sim!” respondi. “A senhora pensa que inventei tudo isto e que estas coisas vêm da minha cabeça? Ou não sabe que quando servimos ao Senhor já não podemos mentir? Tudo o que disse aqui é mesmo a verdade!”
“Jesus, o Deus dos brancos, está mesmo vivo? Ele é um Deus vivo?”
“Sim, Ele é o Deus vivo”.
Ela perguntava: “Ele ainda faz hoje aquilo que fazia dois mil anos atrás?”
“Sim, claro que faz!”
“O senhor tem como falar com Ele?”
“Sim, claro que posso. Nós, os Cristãos, chamamos a isso oração. Qualquer pessoa pode orar”.
A senhora exclamou sorridente: “Como estou feliz! Hoje encontrei uma pessoa que serve um Deus vivo! Eu tenho uma filha, já adulta, que se encontra completamente possessa de demónios. O senhor pode falar com Deus para curá-la?”
“Sim, posso!”
Com aquelas últimas palavras eu amarrei-me e comprometi-me. Toda a minha coragem e determinação ficaram à deriva. “Ó Erlo”, comecei a ralhar comigo próprio, “és tão burro como um filho de jumento! Agora metestes-te em uma enrascada muito grande! Por que razão não deixaste uma abertura no teu sermão por onde pudesses escapar e livrar-te de coisas destas? O que vais fazer agora? Como vais livrar o teu couro desta situação?” Na verdade, aquilo serviu de lição para mim. Muitos pensamentos cruzaram a minha mente naquele momento. Pareciam raios passando pela minha cabeça. Como reagiria a senhora se lhe perguntasse se ela realmente achava que Jesus queria ajudar a sua filha? Mas, surgiu logo um segundo pensamento: “Erlo, tu acabaste de dizer às pessoas que viessem a Jesus com qualquer tipo de problema e que não procurassem os izinyanga e os izangoma.“ Mais e mais pensamentos contraditórios surgiam do nada. Talvez aquela fosse a cruz que a mulher tivesse de carregar o resto da vida! Essas coisas podem acontecer por esse tipo de motivo! Ou talvez não seja a vontade de Deus curá-la! E certas coisas devem acontecer apenas no tempo determinado de Deus! Será que era esta a altura certa de curar a moça? “Ó pobre mãe”, pensava em mim, “se fosses uma mãe branca ou europeia poderíamos facilmente chegar a um acordo e conversarmos inteligentemente sobre este assunto. Mas, és uma mulher simples de África e pensas como uma criança sem qualquer experiência e sem conhecimento dos fatos desta vida!”
Isso eram coisas que passavam pelos meus pensamentos como relâmpagos. Na verdade, aquela senhora simples vinha a Jesus com uma fé pura de criança. Era dela que o Senhor falava quando dizia que alguém devia crer como um daqueles pequeninos! O problema aqui era eu. Não era ela quem tinha o problema. Mas, o que eu deveria fazer naquela situação? Eu não queria, de maneira nenhuma, que ela pensasse que havia-se metido num beco sem saída. Então, permaneci calmo exteriormente, o mais calmo que podia transparecer. Deixei passar o tempo para que conseguisse achar as palavras. “deixando passar o tempo, chega o conselho”. Resolvi fazer-lhe umas perguntas. Perguntei onde se encontrava a filha dela, se estava ali.
“Não, ela não está aqui”, respondeu prontamente. “Ela está em casa. Vivo a 1 km daqui. Podemos ir de carro metade do caminho e, o resto do caminho, temos de caminhar”.
“Certo”, disse. “Eu vou consigo até lá”
Enquanto íamos a caminho, a senhora começou a contar-me aquilo que verdadeiramente se passava. Ela era viúva há quatro anos, o seu filho trabalhava em Durban e ela vivia junto com a sua nora e com aquela filha possessa e louca. Por fim, chegamos à sua cubata e eu pude entrar para ver a moça. Olhei e fiquei em estado de choque. “Mas, a senhora não me contou a metade daquilo que estou a ver!”
No centro das cubatas dos Zulus existe sempre um pau que serve de pilar para sustentar a cubata. Haviam amarrado a moça possessa naquele pilar. Mas, amarraram-na com arames de aço e esses arames já haviam cortado a sua pele e carne. Os ferimentos sangravam e já existiam muitas cicatrizes nos pulsos e nos braços dela onde ferimentos antigos haviam sarado. Alguns desses ferimentos ainda não haviam sarado completamente. A moça possuía uma força inexplicável com a qual tentava libertar-se das suas cadeias. O arame de aço cortava a sua carne como uma faca. E ela falava numa língua estranha que ninguém entendia.
“Há quanto tempo é que a amarram assim, deste jeito?” Perguntei.
“Há três semanas. E ela fala todo tempo nessa língua que ninguém entende. Fala noite e dia sem parar. Não come, não dorme e se lhe damos algo para comer, ela agarra no prato e atira contra a parede”.
“Por que razão não tentam usar algo menos cortante para amarrá-la? Não podem usar cordas?”
“Não funciona”, suspira a mãe. “Já tentamos tudo. Ela rebenta com a corda mais forte que temos. E quando se solta, quebra tudo que encontra, sai correndo e foge. Depois, torna-se tarefa impossível trazê-la de volta. Ela corre por aí como um animal feroz de cubata em cubata e pelos campos e terrenos dos vizinhos. Onde passa, arranca as plantas, o milho, repolho e tudo que encontra. Os homens da tribo perseguem-na com paus e batem nela com muita força. Ela foge para as montanhas e não a vemos durante muito tempo. Apanha chuva, está sujeita aos relâmpagos (*), apanha muito frio e eu, como sua mãe, não sei mais onde encontrá-la!” (* Nota do tradutor: os zulus temem muito os relâmpagos).
A senhora olhou para mim com lágrimas nos olhos.
“O senhor tem noção do que acontece dentro do coração duma mãe que tem uma filha assim? Se ao menos ela morresse, seria muito melhor! Era preferível a morte a viver desta maneira!”
Ela acalmou-se um pouco e conseguiu continuar a sua descrição.
“A minha filha rasga a roupa toda e anda nua pelos campos. É muito perigosa. Quando morde alguém, os seus dentes penetram fundo e ela não larga até arrancar carne. Quando alguém tenta libertar as suas vítimas, ela não abre a boca. Por essa razão, as pessoas trancam-se em suas cubatas quando a vêm aproximar-se. Se ela corre para a escola, as crianças pulam pelas janelas em pânico e fogem para tudo que é canto. O diretor da escola já convocou os professores para informar que esta situação não pode continuar assim”.
Em tom de choro, mostrou-me o seu kraal.
“Já não tenho uma vaca sequer, nem uma ovelha ou cabrito. Já sacrifiquei tudo aos nossos antepassados e aos espíritos. Não tenho mais nada para sacrificar. O que não sacrifiquei, tive de vender para conseguir dinheiro para pagar os izinyanga. Eles pedem muito dinheiro para as suas feitiçarias. E, depois de receberem, dizem que os nossos deuses não conseguem ajudar minha filha. Agora estou muito pobre. Todo o meu dinheiro acabou e até eu estou no fim das minhas forças. Sabe, Mfundisi, já peguei algumas vezes numa faca para matar minha própria filha. Estava em desespero. Mas, era como se alguém me dissesse para não fazê-lo e que era um grande pecado. Depois, queria dar um fim à minha própria vida. Mas, quem cuidaria da minha filha? O que aconteceria com ela? Mas, agora estou muito feliz! Finalmente encontrei alguém que serve o Deus vivo. Agora sei que a minha filha vai ser finalmente curada e tratada!”
Aquelas últimas palavras penetraram em mim como uma espada. Cortaram meu coração. Quase rompi em lágrimas. Ali lembrei as palavras de Gideão: “O que é feito de todas as suas maravilhas que nossos pais nos contaram?”, Juízes 6:13. No meu interior clamava ao Senhor: “Senhor, faz um milagre! Tu tens o poder para ajudar esta pobre infeliz e de curá-la”. Prometi à senhora que voltaria e que iria procurar todos os meus amigos e cooperadores para contar-lhes o que se passava. Desejava saber se eles iriam orar comigo pela moça. Todos concordaram em fazê-lo e chegaram a prometer colocar de lado todo tipo de trabalho para ajudarem na intercessão.
“Sabem”, dizia-lhes eu, “há seis anos que oramos por um avivamento e ainda não aconteceu nada. Quem sabe se é isto que precisávamos, a tal fagulha que irá causar o incêndio. Se esta moça for curada, pode ser o início de um avivamento porque toda a tribo conhece-a. Que grande vitória poderá ser esta para o Senhor Jesus diante de todo o povo! Assim, os Zulus saberão que Jesus é realmente o verdadeiro Deus de toda a humanidade”.
Fui até à nossa fazenda e perguntei aos meus pais se não disponibilizariam um quarto durante todo tempo que estivéssemos orando e intercedendo pela moça. Concordaram em ajudar e eu, juntamente com outros homens, levamos a moça enraivecida para a casa de meus pais. Toda a tribo estava a par de tudo que se passava e comentavam todos sobre o que estávamos tentando fazer pela moça. Mal a moça entrou no quarto, começou a quebrar as cadeiras e derrubou a mesa. Decidimos, então, tirar tudo de lá e deixamos somente a cama. Mas, até a cama ela tentou destruir e tirou as penas do colchão que rasgou. Fomos obrigados a tirar a cama também. No fim, colocamos somente uma esteira e umas mantas no chão. Ela bateu nas grades das janelas arrancando e torcendo algumas. Em poucas horas, o quarto transformou-se numa pocilga.
Durante três longas semanas estivemos orando e jejuando pela moça, mas, ela não se curava. Ela cantava hinos satânicos que ela própria compunha. Alguém aconselhou-nos a usar o nome de Jesus e de clamar pelo sangue d’Ele. Assim, os demônios fugiriam. Mas, nem assim os demônios se calavam. Pelo contrário, eles amaldiçoavam o sangue de Jesus e blasfemavam sem problemas. Eram as coisas mais horríveis e desprezíveis aquelas que os demônios diziam e faziam. A moça tirou toda a sua roupa e sentou-se em cima dos seus próprios excrementos. Com os seus pés descalços batia com tanta força no chão que se ouvia à distância. Parecia que alguém batia no chão com uma marreta. Por vezes, isso durava horas. As pessoas à volta não conseguiam suportar aquelas pancadas no chão, muito menos a sua maneira estranha de gritar e os hinos de blasfêmia que cantava em alta voz. Era como se a moça fosse uma amostra do próprio inferno!
Após três semanas, eu estava no fim de mim mesmo. Estava prestes a ter um colapso nervoso. Eu não tinha explicação para nada do que se passava entre nós. Nós seguimos a Bíblia à risca, contudo, não funcionou. A parte prática não batia com a teoria. Tudo aquilo que a Bíblia diz na teoria é certo, mas, na prática não funcionava. Era um amargo de boca que eu precisava engolir. Que mais podia fazer? Só podia ir ter com a mãe da moça e confessar toda a minha incapacidade. Como lhe diria que a sua querida filha não se havia curado? E toda a tribo e toda a gente nas redondezas sabia que nós, os crentes, estávamos orando pela moça. Todos eles haviam ouvido que nós dizíamos para eles não irem pedir ajuda aos feiticeiros e que viessem a Jesus com qualquer tipo de necessidade ou problema. Dizíamos que Jesus nunca rejeitaria quem viesse a Ele. E agora, deveria ir ter com aquela mãe e dizer que Deus nos mentiu? E não apenas a nós, mas, a todos os que esperavam algo de nós e a quem pregávamos o nome de Jesus. Isso eu não poderia fazer!
Com uma oração final, clamamos dizendo: “Ó Senhor, não é o nosso nome que está em causa aqui. É o Teu nome que ficará mal visto. Tem tudo a ver com a manifestação do Teu poder e de toda a Tua autoridade. O que comentarão todos os pagãos que vierem a saber de tudo que se passou aqui se enviarmos a moça tresloucada de volta sem estar curada? Ó Senhor, não queres operar e conceder-nos um milagre, não para nossa glória, mas, por causa da Tua glória e do Teu nome?”
Todas as nossas súplicas eram em vão e nada de bom acontecia. Deus estava mudo e escondido nos Céus. Era terrível para todos nós. Eu não tinha mais nada a fazer senão ir conversar com aquela mãe e reconhecer que não conseguíamos ajudá-la. Era uma coisa muito difícil para mim e orei ao Senhor com muita firmeza e seriedade: “Senhor, já não tenho coragem para olhar estas pessoas de frente. Preciso ser totalmente sincero com elas. Como é que poderei continuar a pregar para elas se eles próprios são testemunhas que a realidade é diferente daquilo que prego? E eu também não posso fingir e mentir para mim mesmo. Também tenho uma consciência! Também preciso ser sincero comigo próprio. Senhor, não tenho condições para continuar a trabalhar nesta área. Se for possível, envia-me para outro lugar”.
O Senhor foi misericordioso comigo e eu pude ir para outro distrito, para Hanover, para o lado da Costa Sul. Permaneci lá dois anos. Mas, a partir de então já não conseguia crer na Bíblia toda. Não conseguia acreditar que a Bíblia era realmente a Palavra inspirada de Deus e que tudo que ela dizia era verdade. Talvez fosse parcialmente verdade, mas, não tudo que vinha lá escrito. Contudo, estava certo que Deus não era mentiroso. A convicção que nem tudo na Bíblia batia certo poderia ter muitas explicações. Talvez por não haver editoras ou edições impressas como temos hoje e por tudo haver sido escrito à mão e ter andado de mão em mão, a Bíblia poderia conter erros e algumas inverdades poderão ter sido colocadas por algumas pessoas que ajudaram a escrevê-la. Talvez alguns versículos não fossem exatamente aquilo que originalmente foi dito por Deus. Se fosse assim, havia explicação para o que sucedeu conosco. Para mim, havia muitas coisas na Bíblia que batiam certo. Contudo, havia outras que não. A partir de então, sempre que pregava, escolhia as porções que me convinham mais e aquelas que faziam sentido para a minha experiência pessoal. Todas as porções das Escrituras que não batiam com aquilo que experimentava pessoalmente, eu procurava evitar.
Vou citar um exemplo. O Senhor Jesus disse à mulher Samaritana: “Qualquer que beber desta água tornará a ter sede; mas, aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salta para a vida eterna”, João 4:13-14.
Aos meus olhos, havia ali um erro qualquer. Havia algo que eu não entendia muito bem. Como pregador já havia viajado muito por muitos lugares, visitado muitas igrejas e congregações. Centenas de pessoas haviam-se entregado a Jesus e vieram beber naquela fonte de água viva que Jesus dava. Bebiam daquela água, mas, continuavam tendo sede. Entre só nas casas dos crentes e verifique por si mesmo. Veja quantas coisas do mundo encontra em suas casas, quantas revistas, quantos romances e outras coisas que significam prazer – até mesmo livros e material pornográfico e sobre sexo. Conhecia homens jovens que não conseguiam passar por uma livraria sem olhar para as mulheres expostas nas revistas e jornais. Muitos ainda compram tais coisas, levam para casa e escondem-nas de seus pais. E são jovens que afirmam crer em Jesus e que beberam da água viva! Contudo, ainda demonstram ter uma sede que tentam satisfazer com as coisas do mundo. Os seus tesouros são terrenos e perecíveis.
Será que existe alguma pessoa que tenha mais sede que os próprios crentes? Quantos deles não só desejam ter o mundo, mas, ainda desejam pecar? Talvez, a maioria deles não ceda ao pecado abertamente, mas, fazem-no mais que os outros em secreto e quando ninguém os vê! Existem crentes que desejam fumar, outros desejam e bebem álcool e muitos outros praticam e desejam os pecados horríveis do sexo. Alguns filhos de crentes exigem saber dos pais por que razões não podem frequentar as discotecas da mesma maneira que os seus amigos do mundo frequentam. “Por que razão”, dizem, “não podemos levar uma vida igual à que o mundo leva?” Os pais crentes têm uma enorme dificuldade em criar seus filhos na fé e ainda se dizem crentes. Fazem tudo isso e ainda se dizem evangélicos! Contudo, a Bíblia diz assim: “Não ameis o mundo nem o que o mundo tem”, 1 João 2:15. Olhem um pouco para os crentes e comparem-nos com as pessoas do mundo! Conseguem ver alguma diferença entre eles? E em Romanos 12:1 lemos: “Não sejam iguais a este mundo, mas, sejam transformados pelo conhecimento da vontade de Deus”. Aqui as Escrituras dizem-nos, sem sombra de dúvida, que nunca nos devemos perder no mundo e nem entregarmo-nos a ele em nenhum aspecto. Mas, qual é a situação dos crentes? Em que estado é que eles se encontram?
A minha conclusão final era que as pessoas continuavam com sede depois de haverem bebido uma vez da água viva. Por essa razão, eu achava que Deus não poderia ter afirmado aquilo. Como Deus não é mentiroso, só podia ser um dos erros nas Escrituras. Concluí que aquele versículo havia sido mal escrito e que Jesus não poderia ter dito aquilo daquela forma. Assim, eu encontrava muitos versículos nas Escrituras que, na minha opinião, os crentes atuais não podiam interpretar literalmente da forma que vinha explícito. Não deviam levar a sério certas partes das Escrituras. De acordo com a minha experiência, ninguém podia ter o livro dos Atos dos Apóstolos como um livro para os dias atuais. Aquilo foi para uma era, até o final do primeiro século, talvez. É verdade que eu tinha conhecimento de ter havido alguns avivamentos aqui e ali, mas, também eram coisas esporádicas e coisas do passado. Não estávamos ali clamando por um avivamento de todo coração? Tanto pedimos e tanto imploramos que já estávamos cansados e exaustos de clamar!
Com o decorrer do tempo, um cooperador disse-me:
“Erlo, precisamos orar por um avivamento”.
Eu já havia aprendido a lidar com uma situação dessas e olhei diretamente para ele e respondi-lhe:
“Meu querido irmão, estás sendo extremista! Eu já fui assim, já pensei dessa maneira. Nós já oramos por um avivamento de todo o nosso coração e nada aconteceu. Provavelmente, os avivamentos só aconteciam no passado devido ao amor e à entrega dos crentes daquelas épocas. Mas, hoje isso já não é possível. Não mais. Espero que, em breve, esta verdade que te falo te seja revelada para que consigas alcançar a maturidade espiritual”!
Conseguem ter uma ideia daquilo que se passava comigo? Permitia que as minhas próprias conclusões me levassem por caminhos errados e para conclusões torcidas. No decurso dos anos, apercebi-me (como você certamente já deve ter-se apercebido também), que no mundo existem congregações e denominações que colocam suas coisas preferidas e ensinos prediletos como bandeira. Pastores na América davam uma enorme ênfase à fé. “Creia, basta crer!” Para eles não importa o verdadeiro estado do coração: basta crer. Quando ouvi isso, imaginei que fosse essa a coisa que me faltava. Poderia ser esse o segredo que eu ainda não havia descoberto. Quem sabe era a chave para resolver o imbróglio onde me encontrava. Seria essa a chave que buscava há tanto tempo? Talvez o avivamento ainda não me tenha sorrido por minha fé ser pequena! Aquele pensamento dava-me novo alento e resolvi comprovar a sua veracidade, imaginado que, aquele que não arrisca, também não alcança.
O meu sermão seguinte foi sobre fé. Repetia uma vez atrás da outra que era necessário termos fé. De todo o meu coração e com toda a minha convicção eu afirmava que a fé era a coisa mais importante: “Se crermos, se tivermos fé, podemos mudar as montanhas do seu lugar!”
Sabe o que aconteceu a seguir? Na audiência haviam pessoas que tinham um cego em casa. Quando me ouviram dizer que através da fé poderíamos experimentar e ver a glória de Deus, ficaram muito felizes. Logo após o culto foram até casa buscar o seu pai cego e disseram-me:
“O senhor disse ali no culto que não existe coisa impossível para quem tem fé. O nosso pai está cego. O senhor pode orar para que se cure?
“Sim, claro”, respondi. Mas, em meu coração estava com ansiedade de ver onde aquilo ia terminar. Não exteriorizava nada da minha intranquilidade. “Vocês também crêem que Deus pode fazer isto?”
“Mas, é claro que cremos, pastor!”
“Está bem. Sabem, é que o Senhor Jesus sempre perguntava aos doentes que vinham a Ele se eles criam que Ele era capaz de curá-los”.
Daquela maneira, eu poderia consolar-me e justificar-me caso o homem não ficasse bom. No mínimo, aquelas pessoas iriam sentir-se meio culpadas caso nada acontecesse e não somente eu. Pedi para voltarem lá pela tarde para orarmos. Entretanto, eu usei todo aquele tempo para reunir toda a fé que podia reunir para que eu estivesse pronto assim que chegassem. Eu raspava todo pedaço de esperança e de fé, para acumulá-la no meu coração. Eu desejava muito que a minha fé se tornasse tão grande como uma montanha. Não pensei nas palavras de Jesus que diziam: “Em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá e há-de passar; e nada vos será impossível”, Mat.17:20. É pena que os crentes troquem as coisas e queiram que a fé é que seja como a montanha e a obra pequena! Gostam muito de trocar as coisas e de vê-las ao contrário. Os crentes fazem a fé ser do tamanho da montanha para moverem a pequena semente de mostarda!”
As pessoas vieram conforme havíamos combinado. Eu havia-me preparado e tinha esperança que aquelas pessoas também tivessem reunido toda a fé que lhes fosse possível para podermos orar com eficácia. Após havermos orado, abri meus olhos rapidamente para ver o que havia acontecido. Fiquei bastante admirado vendo o homem ainda cego. Continuava cego! Abanei a minha cabeça e não conseguia entender por que razão as coisas aconteciam daquela maneira. Eu estava mesmo cheio de fé e de esperança. Minha fé era intensa. As pessoas voltaram para casa, desapontadas e eu fiquei sozinho, na minha casa, com os meus pensamentos. Repetia uma vez atrás da outra: “Senhor, eu não entendo! Verdadeiramente, não consigo perceber!”
Depois desta má experiência com aquele homem cego, disse para mim mesmo: “Agora é o fim Erlo! Já chega. Nunca mais tornas a fazer uma asneira destas. Jumento idiota! Precisas aprender a ser cauteloso com tuas palavras. Sempre que pregares, precisas ter uma porta de fundo aberta por onde possas escapar para nunca mais caíres em situações desconfortáveis como estas”. Depois disso, as minhas pregações eram muito cautelosas, muito bem preparadas e muito mais cuidadosas.
E assim se passaram mais seis anos pregando o evangelho. Normalmente, fazíamos os nossos cultos em uma tenda grande onde eu pregava duas vezes por dia, de manhã e à noite. Quando mudava de área, ficava por lá uns oito, nove, doze e, por vezes, catorze meses. Trazia a palavra de Deus sem cessar. E sempre aconteciam as mesmas coisas. No início havia umas cem pessoas nos cultos. Depois crescia para duzentas, trezentas, quatrocentas, seiscentas pessoas. Depois disso, começava a diminuir aos poucos até que no final do ano não restavam mais que cem pessoas. Durante aquelas campanhas exaustivas de evangelização, muitas pessoas convertiam-se ao Senhor. Era usual que duas centenas de pessoas ou mais viessem à frente entregar as suas vidas a Jesus. Também acontecia as pessoas que se entregavam a Deus ficarem para trás depois dos cultos para se arranjarem com Deus. Mas, uns meses mais tarde, tudo voltava àquilo que era. Não se notava mais a mudança nas pessoas! Durante os períodos de evangelização, chegavam a comprar centenas de Bíblias, mas, as suas vidas não mudavam de maneira nenhuma. Talvez houvessem exceções aqui e ali, mas, nada que se destacasse.
Durante aquele tempo, muitos pastores vinham perguntar-me como eu conseguia reunir tanta gente nos meus cultos. Qual era o segredo do meu ‘sucesso’, perguntavam-me. Eles só viam os números e aquilo que era visível. Só não sabiam que eu era a pessoa mais infeliz deste mundo! Eu sabia muito bem qual era o verdadeiro estado das coisas. Sabia como as coisas começavam e como elas terminavam eventualmente. Eu não entendia nada de tudo aquilo que se passava comigo. Ainda por cima, havia um pensamento que me atormentava continuamente e me mantinha sempre ocupado na mais profunda tristeza e agonia. Sempre que erguia a minha tenda em algum local, eu escolhia o lugar mais densamente habitado para que fosse mais fácil atrair as pessoas para os cultos de evangelização. E confrontava-me a mim mesmo e dizia: “Erlo, tu não és nada parecido com João Batista! Ele pregava no deserto, longe de tudo que era cidade ou vila e em lugares onde não viviam pessoas. Contudo, toda a Jerusalém vinha ouvi-lo e não apenas Jerusalém, mas, todas as pessoas em lugares distantes como Samaria, Judeia e arredores. E que fazes tu, Erlo? Podes explicar-me? Tu vais para onde tem muita gente e nem mesmo assim consegues atrai-las para a verdade!”
Perguntava a João em meus pensamentos: “João, como conseguias isso? Qual era o teu segredo?” Eu não fazia a mínima ideia de como tornar tal coisa possível e dizia para mim mesmo em forma de consolo, mas, que não convencia ninguém: “Talvez João tivesse uma forte personalidade que atraía pessoas. Ou talvez tivesse um dom que eu não tenho, um dom de prender as pessoas às suas palavras”. Eu lia uma vez e outra as palavras dele e ficava pasmado. E ficava-me perguntando se havia mais alguém neste mundo com a mesma coragem de João, capaz de confrontar as pessoas da maneira que ele confrontava. Eu dizia: “João, se tivesses vivido no nosso tempo, certamente que te teriam degolado ainda mais cedo do que fizeram no teu tempo!” Eu nunca tinha visto um pastor falar ao povo daquela maneira que João falava. Ele clamava e dizia que as pessoas eram “víboras”. “Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir? Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento…”, Luc.3:7-8.
O que acontecesse nos tempos de hoje? Era isso que me perguntava. O discurso de João não era atraente. Hoje, as pessoas chegam com um sorriso, aceitam Jesus para se salvarem, vão para casa e, não tarda, continuam com a mesma vidinha de sempre. Nada muda. Passados alguns meses precisávamos convertê-las novamente. Qual era o segredo de João Batista? Sabemos que a fonte o seu poder não consistia no fato de comer gafanhotos no deserto! Ele não era convincente porque vestia roupas de pobre, as quais eram amarradas por um cinto com cabelos de camelo! Fazia milagres para atrair gente? Não temos qualquer conhecimento de qualquer milagre que tivesse feito! Não curava ninguém, os cegos não se curavam quando vinham a ele para ouvi-lo, os coxos não ficavam curados. Qual era o seu segredo? De onde vinha a sua virtude?
Aquele homem, João, falava contra o pecado. Mas, sabemos que isso está fora de moda hoje. Não ‘podemos’ falar contra o pecado hoje. Muitos pensam que falar assim é estar fora de época. Recentemente, um pastor perguntou-me: “Erlo, quando pregas, qual é o teu tema? Se eu prego sobre o pecado e se menciono certos pecados pelo nome, a congregação sente-se mal e fica com mal-estar. Eles começam a mexer-se nas cadeiras e ficam inquietos. Será que sou bobo continuando a pregar dessa maneira?” Amigos, não foi para nos libertar de todos os nossos pecados que Jesus veio morrer por nós? Por essa razão é que se chamou “JESUS”, aquele que salva do pecado (Mat.1:21). Jesus deseja que todo o seu povo fique consciente de cada pecado que comete. E o homem que veio preparar o Seu caminho, fazia precisamente o mesmo. Por que razão, então, as pessoas daquele tempo se aproximavam para escutar aquelas palavras fortes e diretas de João? Por que razão desejavam ardentemente ouvir as pregações dele? E por que razões hoje não desejam ter esse tipo de pregação dentro das igrejas? Isso era um enigma para mim. Eu não conseguia dar uma resposta clara a nenhuma destas questões.
“Senhor”, orei, “dá-me este dom que João tinha. Preciso tê-lo também”. Mas, apesar da minha oração ardente, na campanha seguinte ficava tudo igual. Nada de diferente acontecia. Centenas de pessoas vinham e muitas Bíblias eram distribuídas – eram até compradas! Mas, no final, apenas umas tantas pessoas permaneciam em Jesus.
Enquanto pensava e meditava nestas coisas, lembrei-me de uma coisa que havia acontecido em minha vida antigamente. Em 1965 estive na Namíbia, uma terra semi-deserta, muito seca. Lá não buscam ouro na terra, pois, não é tão importante para elas. Se conseguirem achar água, tem mais valor para elas que ouro. Enquanto estava de visita a um fazendeiro daquelas bandas, ele mostrou-nos uma coisa interessante. Mesmo ao lado de sua casa, fizeram um furo e encontraram muita água. Colocaram uma bomba com a qual a extraíam. O fazendeiro pegou numa caneca, tirou um pouco daquela água e deu-me a provar. Dei um gole e tive de cuspir a água para o chão. Não era possível bebê-la. O fazendeiro começou a contar-nos que havia muita água debaixo da terra e que nem sequer precisavam furar muito fundo para encontrar fortes correntes de água. Mas, quando encontraram aquela água, ficaram felizes depressa demais. Estava saturada de sais minerais e de outros compostos químicos. Era água má demais para alguém conseguir beber. Então, decidiram usar aquela água apenas para fins domésticos, como lavar roupa e louça. Mas, para seu desapontamento, viram que as roupas apareciam furadas por causa dos compostos químicos. O fazendeiro quis consolar-se regando as plantas e o jardim. Mas, duas semanas depois estava tudo morto. Foi então que ficaram com a certeza que não podiam usar aquela água para nada. Não tinha nenhum proveito. Onde aquela água fosse usada, surgiam estragos irreparáveis.
Assim que o fazendeiro terminou o seu relato, um pensamento cruzou a minha mente tão veloz como um raio cruza os céus: “Escuta, Erlo. O teu ministério é assim, desse jeito. Quanto mais tempo tu pregas, tanto mais pessoas se afastam de ti. São cada dia menos pessoas em teus cultos. Pregas e as pessoas morrem. A tua água é igual a esta, Erlo”. Aquilo nunca mais me deu descanso e começou a devorar-me por dentro como um câncer. “”Ó Senhor”, falei, “quanto mais prego e quanto melhor tento pregar, mais me coloco em Teu caminho e perturbo Tua obra! Ó meu Deus, o que mais devo fazer?”
E foi assim que decidi que, depois de doze anos de evangelista e de missionário, eu não podia continuar daquele jeito. Só podia reconhecer que durante todos aqueles anos de trabalho nada havia mudado. O mundo continuava igual. Tudo era como um deserto muito árido. Perguntei a mim mesmo: “Erlo, onde está o fruto destes doze anos de trabalho? Podes enumerar pelo menos uma dúzia de pessoas que são realmente fiéis ao Senhor e que se hajam convertido através do teu ministério e de tuas pregações?” Eu tinha de reconhecer que era um caso perdido. Não conseguia achar uma pessoa realmente fiel e dedicada a Jesus depois de tanto tempo de trabalho! Será que valia a pena continuar com aquele ministério que não produzia qualquer fruto digno desse nome?
Não, de maneira nenhuma! Perdi meu tempo. Muitas pessoas estiveram ganhando dinheiro e gozando as suas vidas. Por que razão eu não poderia ter feito o mesmo? Por que razão havia eu de continuar como um missionário pobre e sem sucesso na pregação, tentando convencer as pessoas daquilo que na teoria era certo, mas, que na prática não dava resultados? Se Deus ainda hoje é realmente o mesmo e se a Sua palavra nunca mudará, por que razão a vida cristã é tão pobre e tão questionável à luz das promessas de Deus? Eu orava, mas não obtinha respostas às minhas orações. Eu batia e nada se abria. Procurava e não achava. Estava à beira do desespero total.
QUANDO A PALAVRA DE DEUS SE TORNA VIVA
Chegamos a Mapumulo em 1966. É uma pequena vila mais ou menos a 100 km de Durban. Eu havia feito uma campanha de evangelização naquela área em 1963 e centenas de pessoas haviam-se convertido na altura. Desses convertidos, restou uma pequena congregação de cerca de 130 pessoas. Todas as vezes que visitava aquela congregação, eu precisava trazer a paz entre os membros. As pessoas de lá brigavam muito e atiravam-se uns aos outros. Não se entendiam muito bem entre eles.
Tornou-se claro, para mim, que Deus nunca iria operar em nosso meio enquanto aquelas pessoas não restabelecessem a paz entre elas e enquanto não reatassem relacionados. O Senhor necessita de canais limpos e nós, os Seus filhos, precisamos ser esses canais. O nosso maior problema não é os pagãos não conhecerem Jesus, mas, os crentes não andarem nos caminhos d’Ele, fazendo tropeçar a verdade. É trágico, mas, os crentes causam maiores estragos à obra de Deus que os pagãos todos juntos. É desses crentes que a Bíblia diz que não são quentes e nem são frios. Nas reuniões, dirigi-me a todos e disse:
“Sabem, amigos, ando pensando muito nos últimos tempos sobre aquilo que eu disse a Deus em 1951 quando Ele, inicialmente, chamou-me para a Sua obra. Eu havia dito que sairia para pregar somente na condição de tornar-me um verdadeiro evangelista e nunca alguém que brinca às igrejas. Olhando para trás, agora, preciso confessar que todo o meu ministério até ao momento não passou de um show, um circo. Sinto-me espiritualmente falido e não tenho nenhuma intenção de continuar assim”.
“Olhem para os lugares onde há festas e bailes”, continuei. “Se vier uma banda nova, uma orquestra, vêm mais de trezentas pessoas. Mas, num estudo Bíblico, não vêm mais que 30 pessoas. Vão ver o que se passa nos campos de futebol. Quantas pessoas assistem a um jogo e com que espírito? E nos nossos cultos vêm cinquenta, talvez cem pessoas. Como é que isso é possível se Deus ainda é o mesmo hoje, se o Espírito de Deus ainda não mudou e se a Bíblia é, ainda, verdadeiramente a Palavra de Deus? Se olharmos atentamente para as teorias, ideologias e as doutrinas dos que não são cristãos e onde eles colocam seus corações e pensamentos com alegria e com determinação, comprovamos que as suas ideias crescem, abundam, aumentam de volume e seu sucesso expande-se. E a verdade diminui a cada dia que passa! De acordo com as estatísticas, em 1945, a população do mundo era 38% cristã. Mas, de acordo com as previsões, no ano 2000 a população cristã será aproximadamente 10% ou até menos. É um fato muito triste, mas, não deixa de ser uma verdade. Na história deste mundo nunca houve uma época com tantos pagãos como na atual. Se continuarmos desta maneira, a verdade e a fé cristãs desaparecerão em breve e para sempre”.
Aos que prestavam atenção àquilo que eu dizia, coloquei uma questão:
“Estão dispostos a reunirem-se todos os dias às sete horas da manhã e todas as noites às seis horas para investigarmos a Palavra de Deus com toda a atenção, para orarmos de todo o nosso coração para buscarmos a Sua face? Quem sabe se Deus nos dá ouvidos e se nos será misericordioso. Pode dar-se o caso de começar a operar no nosso meio da Sua maneira e da maneira que a Bíblia diz”.
Os crentes levaram a minha proposta a sério e concordaram em fazer isso que pedia. Reuníamo-nos de manhã e ao fim da tarde. A partir daquele dia, os nossos cultos nunca mais foram os mesmos. Pegamos o nosso versículo em João 7:38: “Quem crê em mim como a Escritura diz, do seu interior correrão rios de água viva”. Subitamente, algo chamou a nossa mais profunda atenção.
Jesus pronunciou estas palavras no último dia da festa dos Judeus e no início do capítulo lemos: “Depois disto andava Jesus pela Galileia; pois não queria andar pela Judeia, porque os judeus procuravam matá-lo. Ora, estava próxima a festa dos judeus, a dos tabernáculos. Disseram-lhe, então, seus irmãos: Retira-te daqui e vai para a Judeia, para que também os teus discípulos vejam as obras que fazes. Porque ninguém faz coisa alguma em oculto, quando procura ser conhecido. Já que fazes estas coisas, manifesta-te ao mundo. Pois nem seus irmãos criam nele”. Foi aqui que Jesus respondeu dizendo algo muito valioso. “O Meu tempo ainda não é chegado; mas, o vosso tempo está sempre presente”. Nestas palavras existe um pensamento secreto, um tesouro escondido. Isto significa que cada pessoa que deveras confia em Jesus e realmente caminha com Ele não tem autoridade para andar conforme quer e nem quando quer. Nem Jesus podia fazer isso. Ele era tão dependente do Pai do Céu que só podia fazer aquelas obras nas quais a boa vontade de Deus fosse clara. Só agia quando e conforme o Pai orientava ou dizia para fazer. O próprio Senhor Jesus dá-nos, aqui, o exemplo de que nunca podemos agir de autoria própria e que, sem Ele, nada podemos e nada devemos fazer. Não podia dizer, sequer, aquilo que o Pai não Lhe houvesse dito em segredo a cada momento da Sua vida. O Senhor dá-nos, aqui, um cheirinho do que realmente significa segui-Lo. Além do mais, tudo quanto façamos sem Ele nunca terá qualquer valor diante de nosso Pai. Tal e qual Jesus era totalmente dependente do Pai, nós devemos ser d’Ele. É bom que levemos estas palavras muito a sério!
A Bíblia diz-nos o que aconteceu a seguir. “Mas quando seus irmãos já tinham subido à festa, então subiu ele também, não publicamente, mas, como que em secreto”. Durante a festa, Jesus teve a grande oportunidade de dirigir-se ao povo ali presente. Mas, não fez isso, não falou ao povo senão quando a festa já ia a meio. No último dia da festa, Jesus clamou e disse: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crê em mim como a Escritura diz, do seu interior correrão rios de água viva”, João 7:37-38. Mesmo tendo Jesus consciência que muitas pessoas andavam buscando a Sua vida para matá-Lo, ainda assim clamou no meio do povo e não se escondeu de ninguém. Ele clamou em alta voz. É interessante ver qual a palavra usada no grego original quanto a esta palavra “clamar em alta voz”. A palavra é “krazõ”. É esta mesma palavra que é usada quando Jesus clamou na Cruz na hora da Sua morte. “Cerca da hora nona, bradou Jesus em alta voz e entregou o espírito”. Ele não falou baixinho no meio da festa onde muitas pessoas O buscavam para matá-Lo. Aqui, vemos, claramente, que Jesus tinha uma enorme necessidade interior pressionando-O do lado de dentro para expressar-se diante do povo. E Ele só o fez no último dia da festa. Algo, finalmente, explodiu em Seu coração. E é por esta razão que devemos assumir que estas palavras seriam muito importantes e que devemos prestar muita atenção a elas.
Enquanto Jesus clamava em alta voz, daquela maneira e com aquelas palavras, não se estava importando com nada do que Lhe poderia acontecer. Não se preocupou com as consequências. Para Ele só importava que alguém cresse naquilo que dizia e que escutassem o que dizia e estivessem totalmente atentos ao significado profundo das Suas palavras. “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crê em mim como a Escritura diz, do seu interior correrão rios de água viva”. É fácil vermos aqui que Jesus não estava falando de umas gotas de água viva. Falava de correntes de água viva, de rios fortes. Também não falava de água normal, mas, de água viva. Se encontrarmos um rio em pleno deserto, comprovaremos que o deserto transforma-se no mais lindo jardim. Um rio tem esse poder. O que uma corrente de água viva é capaz de conseguir num deserto seco e árido? E quase todas as pessoas também sabem que ninguém consegue parar um rio em sua força total. Quando um único rio está na sua máxima força e uma barreira está diante dele, as águas sobem alto e passam por cima. Ninguém consegue deter um rio. Um rio tem muita força e essa força causa enorme pressão. Se a parede da barragem não ceder com a pressão, a água galgará por cima dela. E as terras à sua volta serão inundadas.
Espiritualmente falando, isto significa o seguinte: quando cremos em Jesus do jeito que dizem as Escrituras, a vida de Deus fluirá de dentro de nós como poderosas correntes de água viva. Tão fortes serão que não existe qualquer coisa capaz de impedi-las na sua força. Nem as paredes do ateísmo, nenhum mundanismo, nenhum poder conseguirá impedir estas águas vivas de fluírem e de alcançarem aquilo que devem alcançar. E tem mais: quanto maior for a resistência do inimigo, mais forte se torna a força das correntes. E aqui lemos não apenas de um rio, mas, de vários rios que fluirão a partir do nosso interior. Se é impossível travar a corrente forte de um rio, imagine se alguém é capaz de impedir a força de vários rios de água viva ao mesmo tempo! Prestem atenção a um detalhe: as Escrituras não dizem aqui que estas águas vivas fluirão a partir da vida de um pastor ou de um missionário abençoado, mas, a partir de todas as vidas entregues a Jesus e de todos aqueles que crêem n’Ele! Se você realmente confia em Jesus, isto aqui está falando de si e não do seu pastor.
Quando, em 1966, começamos a ler as Escrituras com intenção de investiga-las a fundo, começamos a perguntar-nos a nós mesmos como é que era possível que nós, que tanto buscávamos estas correntes poderosas de água viva, nunca as houvéssemos achado. Não é verdade que quem busca acha? Mas, as Escrituras afirmam na sua simplicidade que todo aquele que crê em Jesus terá estas correntes fortes de água viva dentro dele e que se inundará tudo à sua volta. Nem será preciso falar muito para isso acontecer! As próprias correntes de água viva falarão por nós, em nosso lugar. Elas falarão por si. Coloquei uma pergunta simples diante de todos ali presentes:
“Quem, aqui, crê em Jesus?”
“Eu creio”, disseram todos levantando o dedo sem excepção.
Mas, não é uma coisa admirável? Não seria de esperar que isto que Jesus diz fosse verdadeiramente comprovado por nós também? Não deveriam estar fluindo rios fortes de água viva a partir de nós? Estão fluindo? Claro que não! Nenhuma das nossas vidas dava evidências de qualquer corrente de água viva. A realidade da nossa vida não batia com aquilo que as Escrituras dizem. E porque não? Ainda que cremos em Jesus, estas coisas não estavam acontecendo conosco! “Estamos perante um enorme problema, um enigma. Deveríamos ter estas correntes em nós - era suposto termos isto que a Bíblia diz. Qual será o nosso problema? Ou será que toda a nossa fé é um engano completo, uma mentira?” Estávamos todos perplexos com o que nos estava acontecendo! Nós sabíamos, sem sombra de dúvida, que críamos em Jesus e que a Bíblia estaria falando de nós, ali. Sabíamos que éramos crentes. Mas, havia alguma coisa que não estava batendo certo. De repente, algo chamou-nos a atenção. “… Como dizem as Escrituras…”
Em Apoc.22:18-19 vem escrito o seguinte: “Eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro: Se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus lhe acrescentará as pragas que estão escritas neste livro; e se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus lhe tirará a sua parte da árvore da vida, e da cidade santa, que estão descritas neste livro”. Uma oração de temor surgiu dentro de nós: “Senhor, será que não estamos crendo do jeito que dizem as Escrituras? Havemos torcido as Escrituras em algum lugar? Não estamos conscientes de o haver feito propositadamente!”
Conforme íamos lendo e analisando as Escrituras, apercebemo-nos deste pequeno detalhe: “…Como as Escrituras dizem…”. Ali estava o segredo daquele versículo. Era um segredo de enorme relevância. Toda a nossa visão mudou a partir de então. É importante crermos da maneira que as Escrituras dizem e não da maneira que desejamos crer. É necessário que a nossa fé esteja de acordo com tudo aquilo que dizem as Escrituras e que a nossa fé seja, realmente, “aquilo que dizem as Escrituras”. E concluímos que, se Jesus naquele tempo provava a fé das pessoas com o que as Escrituras dizem, se colocava a fé deles diante daquilo que as Escrituras revelam e manifestam, devemos fazer o mesmo agora, colocando a nossa fé à luz das Escrituras. O que dizem as Escrituras e qual o seu verdadeiro significado de tudo que dizem? Essa frase levou-nos a buscar nas Escrituras tudo que diziam para fazermos uma comparação cuidada entre a nossa fé e aquilo que elas dizem.
Ainda antes de havermos começado a investigar as Escrituras, os nossos corações haviam determinado que deveríamos lê-las como crianças sem engano. Devíamos aceitar as Escrituras com fé de criança, mas, sem nunca adotarmos criancices. Não desejávamos comer o creme do bolo e recusar comer o resto. Não seria bom aproveitarmos a cereja do bolo e desprezar ou negligenciar o resto. Muitos só querem ouvir falar do amor de Deus, da graça e não se interessam por mais nada. Aliás, ainda recusam falar sobre outras coisas e rejeitam quem fala de outra maneira. Decidimos que não iríamos ser assim. Não agiríamos daquele jeito. Não nos justificaríamos, não nos faríamos passar por melhores ou piores pessoas. Seriamos objetivos e fiéis ao que as Escrituras realmente dissessem. Iríamos julgar-nos à luz das Escrituras da maneira que seremos julgados um dia diante de Deus. Iríamos olhar para tudo o que a Luz manifestasse. Iríamos colocar-nos na luz, enfrentar a luz – custasse o que custasse. Não nos deixaríamos levar pelo nosso próprio entendimento das coisas, mas, somente por aquilo que as Escrituras dizem mesmo! Não nos comportaríamos como meninos malandros em relação à verdade, alimentando-nos somente daquilo que nos convinha ouvir. Queríamos olhar a verdade nos olhos. Desejávamos levar a palavra de Deus como a verdadeira palavra de um Deus vivo. Queríamos permitir que toda a Sua Palavra tivesse a oportunidade de se expressar a nós e de se manifestar aos nossos corações tal e qual ela é. Nossos corações estariam abertos para tudo que as Escrituras dissessem ainda que aquilo que dissessem não fosse do nosso agrado e não fosse aquilo que desejássemos ouvir ou, ainda, que não estivesse de acordo com os nossos sentimentos ou com as nossas experiências ou expectativas pessoais. Também determinamos que iríamos ler um livro inteiro de cada vez e não andar pulando de versículo em versículo. Não queríamos tirar uma ideia daqui e outra dali, mas, desejávamos ter uma imagem global de toda a verdade e conhecer o seu todo. Desejávamos uma imagem mais completa e muito correta de toda a Escritura para melhor a entendermos.
Não sei como aconteceu, mas, começamos com o livro dos Atos dos Apóstolos. Por que razões escolhemos aquele livro para começarmos, não sei dizer ao certo. Aconteceu assim. Contudo, a Palavra começou a atacar-nos em nosso íntimo logo desde o início. Um versículo atrás do outro atingia-nos profundamente. Quanto mais líamos e investigávamos, tanto mais éramos atingidos. Através da Sua Palavra fomos humilhados e quebrantados. Fomos averiguar minuciosamente a vida dos discípulos de Jesus depois da Sua ascensão.
Pouco tempo antes de haver subido aos Céus, Jesus disse aos Seus discípulos de forma clara que de maneira nenhuma se ausentassem de Jerusalém, mas, que esperassem pelo momento que Seu Espírito fosse derramado sobre todos eles. Os discípulos, aproximando-se d’Ele, perguntaram-Lhe se seria aquela a época em que o reino de Israel ia ser restaurado. Ao que Jesus respondeu: “A vós não vos compete saber os tempos ou as épocas que o Pai reservou à sua própria autoridade. Mas, recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra”, At.1:7-8. Vemos, aqui, que os discípulos estavam ocupados com coisas da terra novamente e que estavam muito preocupados com coisas que não lhes pertenciam e nem cabiam saber. Jesus impediu o rumo dos seus pensamentos e dirigiu toda a sua atenção para a coisa mais importante e mais desejável de todas para cada um deles: receber o Espírito Santo em toda a Sua plenitude! E a razão? Para que fossem testemunhas d’Ele.
O Senhor tornou-nos conscientes do fato de que nós, também, nunca nos deveríamos ocupar com coisas menos importantes, nem mesmo enquanto lemos as Escrituras, mas, que estivéssemos ocupados com a parte importante: receber o Espírito Santo. Sempre que estamos ocupados com coisas de menor importância – ainda que essas coisas venham nas Escrituras como era o caso do reino de Israel na terra – faz com que percamos a visão daquilo que é, realmente, de grande importância. Era o que estaria para acontecer com os discípulos depois da ressurreição. Eles estavam ocupados em tentar saber qual seria o acontecimento seguinte sobre o futuro terreno de Israel e em que época seria a consumação de Israel como nação. Jesus, porém, chamou-lhes à atenção dizendo: “A vós não vos compete saber os tempos ou as épocas que o Pai reservou à sua própria autoridade”. Quantas vezes encontramos cristãos que se encontram ocupados precisamente com coisas como essas? Eles só querem determinar o tempo e hora para a vinda do Senhor e o que irá acontecer em Israel. Mas, Jesus disse claramente que veio “para lançar fogo sobre a terra e como desejo que esteja aceso!” Luc.12:49. Contudo, nós – os próprios discípulos de Jesus – conversamos sobre coisas e mais coisas e andamos muito ocupados com outras coisas enquanto o coração de Jesus se quebranta com o desejo de ver o Seu fogo aceso na terra! Jesus não permitiu que os discípulos saíssem de Israel precisamente porque deveria ser ali que receberiam o Espírito Santo.
Jerusalém, na altura, era um lugar terrível para os discípulos. A cidade era um ninho do mal. A coisa pior que poderia acontecer neste mundo aconteceu precisamente em Jerusalém: o ungido de Deus, o Salvador do mundo, havia sido crucificado ali. Depois da morte de Jesus, todos os discípulos viviam fechados e escondidos quando estavam em Jerusalém. Mas, apesar de tudo, Jesus mandou-os para dentro de Templo ao invés de saírem dali. Ele mandou-os de volta para Jerusalém para permanecerem lá até receberem o Espírito Santo. Esta foi a nossa primeira lição importante que aprendemos.
Nós éramos tal e qual aos discípulos e eles eram tal e qual a nós. Todos temos a tendência de evitar problemas. Quando um lugar se torna insuportável para nós, fazemos de tudo para fugirmos dele. E, depois, os Cristãos tentam sempre justificar as suas más opções. Culpam os filhos, ou o marido ou a mulher pelos problemas que têm. As esposas acham que as coisas são muito mais fáceis para os maridos. Os maridos, por sua vez, acusam o fato de as coisas serem mais fáceis para elas. Os filhos pensam o mesmo dos pais e os pais dos filhos. Cada qual tem as suas próprias ideias. Assim, a mulher pensa em abandonar o seu marido por crer que é impossível continuar a viver com um homem como dela. O homem abandona a sua família por crer que se tornou impossível viver com a sua esposa debaixo do mesmo teto. Um diz que não suporta mais viver em seu próprio lar por haver-se tornado um inferno e que seu próprio lar é uma coisa horrível! Outras famílias dizem que precisam mudar de residência por haver-se tornado impossível viver no seu bairro ou cidade.
Sabem, se eu não conseguir ser funcional para Deus de forma simples no lugar onde vivo, não irei consegui-lo em nenhum outro lugar. Os Zulus têm um provérbio que diz assim: “Se uma batata estragada for colocada num saco de batatas boas, isso nunca transformará a batata estragada em batata boa”. Se a minha vida não anda bem, se a minha caminhada cristã está apodrecida onde estou, mudar de lugar nunca resolverá nada. Pelo contrário, estragará os lugares para onde for. Se Deus não me consegue usar onde estou, não serei uma bênção onde for.
Talvez essa tenha sido uma das razões por que Jesus mandou os Seus discípulos permanecerem em Jerusalém. Ele conhece as fraquezas humanas todas. Ele avisou-os que receberiam poder quando o Espírito Santo descesse sobre eles. Uma das provas que alguém foi cheio do Espírito Santo é a visibilidade de que o Espírito Santo, realmente, vive dentro da pessoa. Lemos em Atos 1:8: “Recebereis poder quando o Espírito Santo vier sobre vós…”. Jesus afirmou que o poder do Espírito Santo é a tal prova que somos batizados no Espírito Santo. A palavra grega é “dínamos”. Foi a partir dessa palavra que nasceu a palavra “dinamite”, a qual usamos atualmente. Nós não usamos dinamite para fazer explodir areia solta ou terra mole. Usamos dinamite para rebentar rocha dura. A dinamite é usada onde os outros meios não obtêm qualquer sucesso. É por isso que os discípulos precisavam o poder do Espírito Santo e nós também. Eles precisavam ser discípulos em Jerusalém primeiro. O poder de Deus torna-se visível precisamente no lugar mais difícil e mais complicado de todos, humanamente falando. É nesse terreno onde o poder de Deus se pode manifestar e os seus efeitos ficarem visíveis. Nas trevas mais difíceis, nos lugares mais complicados é onde o Espírito Santo melhor se manifesta. Ali obtém o mais saboroso dos sucessos e será ali onde deve operar com a maior facilidade. Jesus prometera-lhes este poder que deveriam receber em Jerusalém e que ali deveriam trabalhar em primeiro lugar, antes de irem para Samaria e outros lugares do mundo. Ali, em Jerusalém, o terreno era mais endurecido que rocha e seria ali que iriam trabalhar e ser testemunhas de Jesus. Ali precisavam de dinamite. Que poder!
Mas, para que receberiam aquele poder? Jesus disse: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judeia e Samaria e até os confins da terra”, At.1:8. Mostrei ao grupo que Jesus não havia dito que os discípulos receberiam poder para curar os enfermos ou para fazer milagres! Não é verdade que os crentes, hoje, acreditam serem essas as coisas mais importantes e que para isso receberão poder? Mas, não é assim. Jesus disse que receberiam poder para dar testemunho de Jesus e não testemunho de milagres. Por essa razão, somente aquele que recebe de verdade o poder de Jesus pode tornar-se uma verdadeira testemunha de Cristo.
Que entendemos sobre ser uma testemunha de Cristo? A palavra original em Grego usada é “martus”. Isso significa “mártir”. Isso seria dizer que alguém morre por aquilo em que acredita. Por isso, o poder que recebemos, que é o poder do Espírito Santo, tem como objetivo tornar-nos testemunhas desse calibre: chegarmos ao ponto de poder ser mártires por Jesus. Isso significa poder para sermos fiéis a Jesus até ao fim e permanecermos firmes sob qualquer circunstância. É poder para seguirmos em frente sem qualquer vontade de olhar para a esquerda ou para a direita! É poder para conseguirmos ser como o primeiro mártir, Estêvão. Enquanto era apedrejado, Estêvão via o céu e seu rosto brilhava de alegria. O céu estava aberto para ele, não tinha nenhum mistério. Mas, o que acontece quando as pessoas nos atiram pedras? E quando as pessoas são antipáticas para nós? E quando fazem certos comentários acerca de nós? E quando pisam os nossos calos? Como fica o nosso rosto? Brilha? Brilha como o rosto de um anjo como aconteceu com Estêvão? Vemos o céu aberto como ele? Olhem só como as pessoas ficavam quando eram cheias do poder do Espírito Santo! Estêvão, um homem de oração, uma testemunha de Deus! Enquanto era apedrejado, via o céu aberto e o seu rosto brilhava como o de um anjo. Estando a morrer, clamava: “Senhor, não lhes imputes este pecado!” Sim, isso era o verdadeiro poder do alto, um homem que não vacilava sob circunstância alguma e permaneceu fiel até ao fim. Ele era um homem de Deus e não camaleão que muda o seu semblante mediante as circunstancias em que se encontra.
Então, este poder do qual Jesus falava aqui seria para que fossem testemunhas - mártires. E caiu em nós que, naquela altura, nunca nos seria possível sermos mártires por Jesus na África do Sul, pois, as circunstâncias nunca chegariam a esse ponto. Concluíamos que, para podermos ser mártires para Jesus, haveríamos de viver em países onde os filhos de Deus são perseguidos pela sua fé. Mas, Heb.12:4 diz outra coisa: “Ainda não lutastes contra o pecado até ao sangue”. Noutras palavras, ainda não lutaram contra o pecado até à morte. Por isso, a pessoa cheia do poder de Jesus lutaria até à morte contra o seu pecado, preferiria morrer a pecar. Então, podemos ser testemunhas de Jesus e de Seu poder em qualquer parte do mundo. Vamos colocar isto de forma prática: “Prefiro morrer do que deitar-me com outra mulher”. “Prefiro morrer que mentir”.
O nosso grupinho começou a pensar se seriam capazes de se tornarem nesse tipo de testemunhas para Cristo. Sabem, a nossa fé corre maiores perigos quando pecamos do que quando somos perseguidos! Perguntei-lhes:
“Vocês não dizem que acreditam que a perseguição opera para o bem daqueles que amam a Deus? Então, deve ser precisamente durante tempos de perseguição que um crente dá maior e melhor testemunho do verdadeiro poder de Jesus. Será ali que veremos se a pessoa é realmente crente ou não”.
Enquanto pensávamos nisto, voltámos os nossos corações quebrantados para o Senhor. Olhámos para nós mesmos e verificamos que éramos pessoas iguais àquelas que Paulo descrevia em 2 Tim.3: “Sabe, porém, isto, que nos últimos dias sobrevirão tempos penosos; pois os homens serão amantes de si mesmos, gananciosos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a seus pais, ingratos, ímpios, sem afeição natural, implacáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas, negando-lhe o poder”.
Por que era assim? Não é verdade que isto está falando de coisas feias como divórcios e adultérios? Sim, a Bíblia afirma que virão tempos difíceis porque as pessoas irão ter aparência de santidade, mas, negarão o seu poder. Uns vão desejar aparentar que frutificam, mas, negam Deus em sua essência. Fala aqui de todos aqueles que se chamam crentes e negam o verdadeiro poder de Deus! Se pudéssemos olhar bem para a gravidade destas coisas, veríamos como isto é demoníaco e feio. São as coisas mais feias que podemos imaginar.
Quando nos apercebemos que aquele trecho de Timóteo se referia a nós, os nossos corações quebrantaram-se! Fomos atingidos profundamente e começamos a perguntar-nos a nós mesmos como estariam as nossas vidas e em que situação estávamos diante da verdade. Ficamos conscientes das nossas incapacidades e das nossas fraquezas. Os nossos corações quebraram.
Persistimos e fomos mais fundo na Palavra de Deus. Cavamos ainda mais fundo. Vimos que os discípulos voltaram para Jerusalém depois de Jesus haver subido para os céus. Eles reuniram-se no templo e oravam. Entre eles estava Maria, a mãe de Jesus e Seus irmãos. A Bíblia afirma que estavam todos unidos e eram de um só coração e alma, tal era a união entre eles. Aquele tipo de união era deveras muito invulgar, pois, o Espírito Santo ainda não havia sido derramado sobre eles. Aquilo que aconteceu em Golgota e com Jesus e Sua cruz bastava para unir os corações dos discípulos daquela maneira. Naquela união invulgar, todos, com o mesmo coração e em uníssono, estavam orando a Deus para o derramamento do Espírito Santo. Podemos fazer uma pequena ideia de como a Cruz de Cristo penetrou fundo nas vidas daquelas pessoas e o que ela significava para todos eles. Hoje, existem pessoas que dizem que não conseguem ser uma união porque ainda não foram cheios do Espírito Santo. Nesta parte das Escrituras vemos que esses pensamentos são loucura e desvario! Na verdade, para haver união, basta a Cruz de Cristo e basta as pessoas haverem-se achegado a ela. Somente a Cruz de Cristo consegue alcançar o fim das inimizades, brigas, desuniões e divórcios e isso para sempre. Naquele tempo, a Cruz de Cristo tinha um significado tão grande para todos que até os próprios irmãos de Jesus (que antes O perseguiam e criticavam) estavam ali, orando e clamando pelo poder do Espírito Santo. Eles tornaram-se crentes e até se uniram aos demais discípulos.
Continuamos lendo os Atos dos Apóstolos para vermos que tipos de vidas levavam todos os discípulos de Jesus depois da Sua ascensão. No dia de Pentecostes, o Espírito Santo foi derramado sobre os Apóstolos e sobre outros crentes ali presentes. As pessoas ao redor admiravam-se por verem os discípulos falando em seus idiomas de origem: Partos, Medos, Egípcios. Alguns começaram a gozar e diziam: “Estão bêbados!” Pedro, porém, levantou-se para explicar-lhes tudo que se estava passando: “E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne”, At.2:17. Se Deus chamava aquilo de “’últimos dias” há dois mil anos atrás, quanto mais agora serão os últimos dias? Agora era mais “últimos dias” que dois mil anos atrás! Se aquelas palavras proféticas contavam para o tempo dos Apóstolos, quanto mais contariam para nós! Aquilo era para nós também! Deveria acontecer conosco, pois, hoje é mais “’últimos dias” que então. Se já naquele tempo os discípulos cuidavam das suas próprias vidas esperando a vinda de Jesus a qualquer momento, quanto mais nós, agora, dois mil anos depois, devemos estar atentos com nossas vidas? Se existe uma diferença marcante entre nós e os discípulos de Jesus daquele tempo, então, só pode ser o fato de não estarmos em fogo como eles estavam para Deus! Então, perguntem-me como é possível que os crentes atuais vivam de maneira imprópria e muito pior que os piores crentes de então. Nós, hoje, deveríamos estar mais em chama para Jesus que os discípulos daqueles tempos! Estou plenamente convencido que deveria ser assim! Se a promessa da vinda de Jesus não passa de palavras vazias, então, essa verdade deveria tornar-nos crentes mais firmes que qualquer outro crente em qualquer outra época. Então, sendo hoje mais últimos dias que dois mil anos atrás, devemos hoje estar amando o Senhor mais ainda e ter mais dedicação ao Senhor e ainda estar crescendo cada vez mais em poder e em todas as virtudes do Céu.
Continuamos lendo. Vimos que quando a promessa se cumpriu com os discípulos, logo no primeiro dia, 3.000 pessoas converteram-se. Se quiséssemos, poderíamos ver de quantas nações havia convertidos. Havia ali convertidos de várias nações e de outros idiomas. Pensem nisto! Milhares de pessoas reuniam-se diariamente sendo um de coração, um de espírito em união total. Como era possível? Eram pessoas de nacionalidades diferentes, falavam idiomas diferentes e, ainda assim, estavam em união. Será que temos noção do que se estava passando aqui? Conhecemos bem as características duma alma. Agora, imaginemos uma multidão de mil almas juntas. Temos noção do que significa termos uma grande multidão em união e isso não apenas na aparência? Sua união era verdadeira e real. Não era uma união superficial, não tinha como ser superficial. Era o maior dos milagres! Entre nós as coisas aconteciam da seguinte forma: quando se colocava uma pergunta, alguém respondia de uma maneira ou de outra, outra já respondia de outra maneira e uma terceira pessoa teria ainda outra opinião. Assim, várias pessoas tinham uma ideia própria, diferente. E ali só estávamos 30 pessoas! Eu lembro muito bem ainda, como um certo senhor dizia numa de nossas reuniões: “Estou muito feliz que aquela senhora não frequenta as nossas reuniões! Agora, não preciso ver a mulher todos os dias, porque, se tivesse, estaria sempre irritado aqui nas reuniões”. É muito fácil vermos crentes que se irritam mutuamente! É frequente acontecer isso. Agora, será que dentro daquela multidão de 3.000 pessoas não havia nenhuma mulher? Claro que havia! Havia mulheres e homens, jovens e adultos e todos os dias reuniam-se em perfeita união para orarem e fazerem coisas em comum! Não vemos alguém que não queria estar perto de algum outro, não vemos algumas pessoas evitarem as outras. Havia uma união perfeita entre eles. Aliás, nem se falava na possibilidade de rompimentos de relações ou de brigas! Nem existia essa possibilidade sequer.
Analisamos as vidas e a convivência daquele povo convertido. Víamos que a pessoa de Jesus era real entre eles e que não era apenas uma arma de arremesso contra os outros. Também não era o desejo de participarem na Ceia que os movia, nem uma hora ou duas de culto e de estudo da Palavra. Rodavam à volta da pessoa de Jesus em uníssono e em união perfeita! Aqueles crentes eram diferentes de nós. Jesus era a sua vida. Todas as outras coisas eram de menor importância e de pequena relevância. Víamos como todos aqueles que possuíam bens e casas vendiam-nas sem serem forçados ou exortados a fazê-lo, para entregarem aos pés dos apóstolos, os quais diziam, ainda assim, que não possuíam prata e nem outro. Ninguém considerava seu nada daquilo que possuía. Tudo era feito em comunhão uns com os outros e tudo pertencia a todos. Por essa razão, não faltava nada a ninguém. Que congregação aquela!
Foi assim que nos apercebemos por que razão o local onde eles oraram sacudia e a terra onde pisavam tremia quando oravam. Mas, o que acontecia entre nós? Os nossos filhos é que nos sacudiam! Alguns homens eram sacudidos por suas esposas, outros por seus familiares. Mas, quando aqueles crentes oravam, era o local e a terra que tremiam! Quando oraram, toda a Jerusalém tremeu e houve grandes transformações dentro da cidade!
Ficou claro que os crentes de hoje, nós, vivíamos em constante temor dos homens. Temos tanto medo do que irá acontecer aos nossos filhos e sobre o que nos reserva o futuro. Se a porta não for trancada à noite, os crentes medrosos não conseguem dormir sossegados e os seus pensamentos atormentam-nos e, em alguns casos, levam-nos ao desespero! Claro que isso não é operado pelo Espírito de Jesus! Tais pessoas e tais congregações nunca conseguirão sacudir o local onde se encontram! O lugar é que sacode a eles. Quanto menos podem esperar sacudir as portas do inferno! Se não são capazes de sacudir o lugar onde estão, como conseguirão abalar as portas do inferno? Quanto mais seguíamos adiante, lendo, tanto mais éramos convictos e quebrantados! Os nossos encontros já não eram estudos Bíblicos, mas, tornaram-se encontros de choro, lágrimas e lamentações profundas.
Quando nos comparávamos àquela primeira congregação de discípulos, nossa principal reação foi abanar a cabeça e ficarmos perplexos. Estávamos cheios de vergonha. Eu, pessoalmente, clamava ao Senhor pedindo-lhe para no futuro, lá no céu, Ele nunca me apresentar ao Apóstolo Paulo. Se o fizesse, imaginem Paulo falando comigo e dizendo: “Erlo, conta-me alguma coisa importante que tenha acontecido durante o teu ministério na terra”! Ou a Pedro. E se ele me perguntasse: “Erlo, como era a congregação que lideraste na terra? Conta-me e eu falo-te da minha”. “Ó Senhor”, dizia eu sentindo-me desqualificado e inútil, “será que ainda posso considerar-me crente?”
Continuamos lendo. Chegamos ao capítulo 5 de Atos. Ali apercebemo-nos de que, onde o Senhor opera, o diabo também se encontra muito ativo. Ele não dorme. Ele sempre vem para destruir, principalmente onde Deus opera. E ele entrou no coração de Ananias e de Safira. Quando Ananias verificou que as pessoas levavam as suas posses e propriedades e as entregavam aos apóstolos para ajudar os pobres e outros, sentiu que também deveria vender a sua propriedade. Marido e mulher estavam de acordo sobre a coisa errada. Decidiram, em conjunto, vender a sua terra e esconder parte do preço sem necessidade de esconder e entregar a Pedro uma parte como se tivessem entregue tudo. Poderiam dizer a Pedro que só estavam entregando metade e ninguém acharia estranho. Mas, Pedro era um homem de Deus cheio do Espírito Santo. E logo ali, o Espírito Santo falou com Pedro mostrando-lhe o que se passava. Pedro, que não estava ali para agradar pessoas, perguntou de imediato a Ananias se havia vendido a sua propriedade pelo valor que estava entregando. Sem hesitação, Ananias respondeu que sim. Pedro falou com ele novamente, dizendo: “Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e retivesses parte do preço do terreno? Enquanto o possuías, não era teu? E vendido, não estava o preço em teu poder? Como, pois, formaste este desígnio em teu coração? Não mentiste aos homens, mas, a Deus. E Ananias, ouvindo estas palavras, caiu e expirou. E grande temor veio sobre todos os que souberam disto. Levantando-se os moços, cobriram-no e, transportando-o para fora, o sepultaram”, At.5:3-6.
Três horas mais tarde chegou a sua esposa fingida, Safira. Ela não sabia de nada do que se havia passado. Assim que Pedro a avistou, perguntou-lhe: “Venderam a vossa propriedade por este preço?” O que acham que ela responderia? Ela não tinha intenções de ir contra o marido e de negar a palavra dele diante de Pedro! Ela queria ser fiel a ele nesse aspecto! Já havíamos falado que os casais discordam facilmente e que brigam por tudo e por nada e dividem-se facilmente. Mas, este casal concordava facilmente com o pecado. Na primeira igreja era assim. Naquele tempo, as esposas e os maridos estavam de acordo! E era assim, também, com Ananias e Safira. Safira respondeu afirmativamente à pergunta que Pedro lhe fez. Pedro respondeu imediatamente: “Por que é que combinastes entre vós provar o Espírito do Senhor? Eis aí à porta os pés dos que sepultaram o teu marido e te levarão também a ti”, At.5:9. Safira caiu morta aos pés de Pedro e vieram umas pessoas que a levaram e sepultaram ao lado do marido.
Enquanto líamos o historial daquela congregação dos Apóstolos, perguntávamo-nos a nós mesmos se teríamos algum desejo de pertencer àquela congregação onde as pessoas caíam mortas por mentir. Não seria arriscado demais? Ali estava uma congregação onde qualquer tipo de pecado era revelado em qualquer pessoa (até nos que ofertavam) e onde nunca passava em claro qualquer transgressão. Ali, a mentira era punida ao vivo e no primeiro momento oportuno. O que aconteceria conosco se pertencêssemos àquela congregação? Todos sentíamos que tínhamos grandes pecados para esconder e tínhamos outros pecadinhos que só aos nossos olhos seriam pequenos. Bem, depois de pensarmos objetivamente, concluímos que talvez fosse melhor não estarmos orando por um avivamento. Não seria muito bom pertencermos a tais congregações! Perguntava-me a mim mesmo o que aconteceria comigo se Ananias ou Safira fossem meus familiares ou irmãos. Como me sentiria? Que faria eu naquelas circunstâncias? Eu penso que sairia para contar a todas as outras congregações ao redor e para avisá-las para nunca se associarem àquela congregação e para ninguém colocar os pés dentro dela! Eu diria aos irmãos de outras congregações: “Acham que isto é amor? Como podem chamar isto de amor de Deus? Pensem um pouco e digam se isso é coisa certa, se é algo que se faça! Não! Cem vezes digo: Não! Tenham cuidado e nunca vão a esse lugar! Tenho a certeza que não é o Espírito de Deus que está operando através de Pedro!”
E, por outro lado, que aconteceria se estivéssemos no lugar de Pedro? Como reagiríamos ouvindo o Espírito Santo sussurrar dentro de nós sobre o que se estava passando? Que diríamos nós a Ananias, um homem que trazia dinheiro para a igreja? Eu creio que, nas minhas circunstancias, eu o abraçaria dando-lhe meu carinho de irmão e até diria: “Ó irmão, que Deus te abençoe por isto! Na próxima reunião iremos mencionar a bondade do teu feito para que todos fiquem sabendo. Iremos propor-te como líder ou como presbítero da nossa congregação porque todos nós precisamos de pessoas como tu!” Temos necessidade de pessoas assim, de pessoas que trazem dinheiro para a igreja! Mas, não foi isso que Pedro fez. Os homens que estão verdadeiramente e realmente cheios do Espírito têm outra linguagem e falam de outra maneira com qualquer pessoa. Eles dizem: “Antes a morte e a fome do que viver numa congregação de mentirosos e aproveitadores!” Era essa a perspectiva da verdadeira congregação de Cristo e era essa a visão que tinham. A santidade de Deus era tão óbvia e tão atuante que o pecado era castigado até com a morte, se fosse preciso. Ao olharmos para isso dessa maneira, podemos ver por que razões congregações como as de Pedro conseguiam mudar o mundo através do poder de Jesus. Eles e suas orações não apenas sacudiam a terra, mas, sacudiam os próprios portões do inferno. Agradeçamos todos a Deus que aquela congregação não era descartada e incriminada como seria nos dias de hoje. Vamos agradecer a Deus por ela ter sobrevivido!
Voltamos a Atos 3. Vemos Pedro entrando no Templo juntamente com João. Havia ali um coxo de nascença, o qual colocavam na porta do templo para mendigar. Ambos os Apóstolos olharam de frente para o coxo e disseram-lhe: “Olha para nós. Não tenho prata nem ouro; mas o que tenho, isso te dou; em nome de Jesus Cristo, o nazareno, levanta-te e anda”, At.3:4,6. Assim que Pedro acabou de falar e de expressar a verdade, um milagre ocorreu. Nós analisamos aquele texto minuciosamente. Inicialmente, Pedro e João olharam fixamente para aquele homem. Admirei-me muito com as palavras de Pedro. Comecei a repreender Pedro em meus pensamentos. Seu comportamento não foi o melhor. “Pedro, já te esqueceste que ainda há bem pouco tempo negaste o Senhor e que não podes dizer às pessoas para olharem para ti? Como podes chegar diante de alguém e dizer, “Olha para mim”? Como podes olhar as pessoas diretamente nos olhos e dizer uma coisa dessas? Deverias ter vergonha de te colocar como exemplo!” E, na minha imaginação, era como se Pedro me estivesse respondendo. “É, Erlo. Bem sei que neguei ao Senhor uma e outra vez e até mais vezes do que sabes. E é verdade que me senti miseravelmente desprezível. Quando Jesus olhou para mim e perguntou se O amava, quebrou meu coração. Em profunda agonia e mágoa pedi ao Senhor que me perdoasse e Ele esqueceu meus pecados para sempre. Agora posso olhar as pessoas nos olhos. Não preciso ter vergonha”. É precisamente essa a boa notícia do Evangelho. Em Jesus alcançamos perdão. Mesmo que os nossos pecados sejam vermelhos como o carmesim, tornar-se-ão tão brancos como a neve.
Assegurei o nosso grupinho que os maiores pecadores estarão sempre em vantagem: eles amarão Jesus mais que todos os outros. Precisava assegurar-lhes essa verdade. Um Fariseu, uma vez, convidou Jesus para comer em sua casa e viu como uma prostituta começou a lavar-lhe os pés com suas lágrimas e a derramar unguento sobre Ele, secando-Lhe os pés com seus cabelos sujos. Aquele Fariseu “justo” começou a pensar que Jesus não sabia quem era aquela mulher e que, se realmente fosse profeta, saberia que era uma mulher sem vergonha. Mas, Jesus conhecia os pensamentos do Fariseu e respondeu-lhe assim: “Vês tu esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; mas, esta com suas lágrimas os regou e com seus cabelos os enxugou. Por isso te digo: Perdoados lhe são os pecados, que são muitos; porque ela muito amou; mas, aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama”, Luc.7:44,47.
“Estas palavras de Jesus ainda valem para os dias de hoje”, assegurei-lhes. As pessoas que pecaram muito e vêm a Jesus para alcançarem grande perdão, são pessoas muito privilegiadas – amarão mais a Jesus que nós, os “justos” e os certinhos. Eles conseguem amar Jesus mais que todos e isso é algo precioso. Não podemos desprezar o amor que têm por Jesus. Quanto mais funda for a obra de Deus em nós, quanto mais profundamente operar o Espírito Santo dentro de nós, quanto mais profunda for a nossa conversão a Jesus, maior será o nosso amor por Ele. Existem crentes e pessoas que não amam Jesus profundamente porque nunca chegaram a ver a sua própria natureza pecadora e nunca olharam os seus pecados de frente e nunca os viram como Deus os vê. Por essa razão não dão valor a Jesus, não O amam como convém. Foi esta a principal verdade que ficou clara para nós a partir daquele texto.
E Pedro disse: “Olha para nós!” Eu não conseguia entender aquilo. Aquelas palavras eram contrárias a toda a minha escola, eram opostas a tudo que havia aprendido. A teologia era contrária àquilo que Pedro estava fazendo. Nós somos instruídos a colocar Jesus como o foco central e a desviar o olhar das pessoas de nós e dizemos para eles olharem para Jesus e não nos terem como exemplos. E ali estava Pedro dizendo ao homem para olhar para ele. Pedro era um homem cheio do Espírito Santo e cometia erros primários! Como podia Pedro cometer erros desses? Não se pode falar assim quando pregamos a Jesus às pessoas. Antes, dizemos: “Olhem para Jesus! Olhem para a Cruz, em Golgota! Olhem para Deus, o Pai! Olhem para a Sua Palavra!” Ninguém de bom senso, por muito justo que seja, deve dizer, “olha para mim” e nem “olha para nós”! Os olhos das pessoas têm de estar focalizados em Jesus e sob circunstância alguma nesta terra devemos chamar a atenção das pessoas para colocá-la sobre nós! “Ó Senhor”, orei, “será que cometeste algum erro entregando a Pedro as chaves do Reino do Céus? Como pudeste confiar num homem destes?”
Não conseguíamos entender nada daquilo. E foi assim que fomos levados à Palavra de Deus novamente. Em 2Cor.3:2-3 lemos o seguinte: “Vós sois a nossa carta, escrita em nossos corações, conhecida e lida por todos os homens, sendo manifestos como carta de Cristo, ministrada por nós e escrita, não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne do coração”. E foi assim que ficamos esclarecidos. De acordo com as Escrituras, Pedro e João eram cartas vivas, escritas pelo Espírito Santo de Deus. Todos podiam e deviam olhar para eles, vendo o seu exemplo e perguntar como conseguiam ser assim. Por essa razão, podiam olhar para aquele coxo e dizer-lhe para olhar para eles. Estávamos completamente seguros que aquele homem deficiente via e lia Jesus ao olhar fixamente para Pedro e para João. Eles eram um espelho, uma imagem fiel do que Jesus era e ainda é. Se assim não fosse, aquele homem nunca teria reagido da maneira que reagiu, olhando fixamente para Pedro e levantando-se de sua doença. Por trás daqueles homens era visível toda a glória de Deus e todo o Seu poder. Senão fosse assim, aquele homem não creria ao ponto de curar-se. Se Pedro e João não revelassem claramente a glória e o esplendor de Deus, aquele homem olharia para eles e diria algo mais ou menos assim: “ Pedro, como podes dizer uma coisa dessas para mim? Não sabes que sou enfermo desde que nasci? Porque estás brincando comigo, gozando comigo? Não se faz uma coisa dessas com ninguém!” Contudo, vemos naquele homem uma reação completamente diferente. Ele, realmente, viu a glória e esplendor de Deus por trás de Pedro e de João. Se não fosse assim, nunca teria reagido com fé e pulado sobre os seus pés. Tal é o poder de Deus visível em seus servos e tal é o poder de Jesus, nosso Redentor!
Aqueles homens de Deus eram, deveras, uma carta aberta de Cristo. Concluíamos que não tínhamos qualquer direito de pregar o evangelho se não conseguíssemos dizer: “Olhem para nós”! Se não conseguíssemos ser um exemplo bom, uma amostra verdadeira do que significa o Evangelho, não temos nenhum direito de abrir a boca para falar em Deus a alguém. Nunca devemos sequer pensar em dar testemunho se não pudermos dizer para as outras pessoas olharem para nós. Se o fizermos, causaremos enormíssimos estragos à causa de Jesus na terra. As nossas vidas devem ser uma carta aberta de Cristo ao mundo. Devemos ser somente um reflexo real de Jesus. Se não o formos, seremos como aqueles Fariseus de quem Jesus dizia em Mat.23:3: “Portanto, tudo o que vos disserem, isso fazei e observai; mas, não façais conforme as suas obras; porque dizem e não praticam”. Ainda hoje encontramos aqueles que pregam as verdades que não vivem e nem experimentam na vida prática. Ainda existe muito Fariseu hoje em dia e talvez você seja um deles. João e Pedro eram pessoas que podiam dizer à qualquer pessoa do mundo para olharem para eles. E nós? Eles eram verdadeiras testemunhas da vida e da realidade de Jesus. Somos nós cartas abertas de Jesus que qualquer homem pode ler e entender? É triste comprovar que poucos crentes lêem a Bíblia da maneira que devem e entendem-na muito menos do que devem. Não conseguem entender a Bíblia. Mas, com os jornais e as revistas não têm problema nenhum. Entendem tudo, lêem tudo e até comentam sobre tudo que lá vem. Conhecem os jornais e as revistas melhor que a própria Palavra de Deus. E ainda assim se auto-denominam de crentes que nasceram de novo.
Sabem, se formos uma carta aberta de Jesus, até os analfabetos conseguirão lê-la. Sabe o que eles lêem? Eles lêem as nossas vidas, as nossas coisas todas. O mundo ainda hoje aponta o seu dedo para onde estão lendo. Eles costumam dizer: “Olhem para aquele crente! E ainda se chama crente! Mas, vejam só como é que ele vive! Só sabe brigar e gritar com os outros! Vejam como se zanga! Vejam o que faz quando se zanga! Se alguém fala com ele, está-se defendendo sempre de alguma coisa!” As nossas vidas precisam ser aquilo que o evangelho é. É aí onde se encontra o maior segredo do poder do evangelho em qualquer parte do mundo. Deixem-me perguntar: como estão as nossas vidas? Devemos perguntar a nós próprios se, por acaso, as outras pessoas vêem o nosso Senhor Jesus Cristo bem manifesto em nós. Somos um espelho daquilo que Jesus é? Os meus filhos e a minha esposa vêem mesmo Jesus em mim em todos os aspectos da minha vida?
Um evangelista muito conhecido, o qual recebia muitos convites para pregar pelo mundo fora, um dia resolveu levar a sua esposa junto com ele. Era um orador muito talentoso, cheio de vigor e de palavreado. Todos ficavam pendurados em seus lábios. Todos gostavam de ouvir os seus discursos. Não havia alguém capaz de pregar como ele. Numa certa congregação onde discursava, duas senhoras estavam sentadas ao lado da esposa do pregador, uma de cada lado, na fila da frente. Depois da pregação do marido, todos ainda estavam sob o efeito da pregação dele e via-se que havia causado uma grande impressão em cada alma presente. Só podiam