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HUMILDADE
Por Andrew Murray


PREFÁCIO DO AUTOR

 

Há três grandes motivos que nos impulsionam à humildade. Eles são baseados em três perspectivas sob as quais a humildade pode ser considerada, as três maneiras de catalogar a humildade. Deixe-me explicar. A humildade aplica-se a mim como criatura, como pecador e como um santo. E ela me cabe perfeitamente em cada uma dessas três categorias.

Vemos o primeiro aspecto da humildade nas hostes celestiais, no homem antes da Queda e em Jesus como Filho do Homem. O segundo aspecto apela para nós em nosso estado caído e indica o único caminho pelo qual podemos retornar ao nosso devido lugar como criaturas. No terceiro aspecto da humildade, temos o mistério da graça, a qual nos ensina que, à medida que nos envolvemos na grandeza irresistível do amor redentor, a humildade torna-se, para nós, a consumação da bem-aventurança e
de adoração eternas.

Em nosso ensino religioso comum, o segundo aspecto tem sido muito enfatizado, tanto que alguns já foram ao extremo de dizer que temos de permanecer pecando a fim de, efectivamente, permanecer humildes. Outros, porém, pensam que vigorosa auto-condenação é o segredo da humildade. Mas nada disso é verdade. Assim, a vida cristã tem sofrido perda, pois os crentes não são distintamente guiados a ver que até mesmo em nosso relacionamento com pessoas como nós, nada é mais natural, belo e abençoado do que ser nada, para que Deusseja tudo. Também não ficou claro que não é o pecado que humilha mais, mas a graça e que justamente a alma que, através de sua pecaminosidade, foi levada a ocupar-se com Deus em Sua maravilhosa glória como Soberano, Criador e Redentor, é que irá verdadeiramente tomar o lugar mais baixo diante Dele.

Nessas meditações tenho-me direccionado, por mais de uma razão, quase que exclusivamente à humildade que nos cabe como criaturas. Não é apenas porque a conexão entre a humildade e o pecado seja tão abundantemente destacada em todo ensino religioso, mas porque creio que para a plenitude da vida cristã é indispensável que a proeminência seja dada a este outro aspecto. Se Jesus deve realmente ser nosso exemplo em Sua humildade, precisamos entender os princípios em que isso é baseado e nos quais encontramos o terreno comum no qual estamos com Ele e nos quais, portanto, nossa semelhança a Ele deve ser alcançada. Se devemos realmente ser humildes, não somente diante de Deus, mas também diante dos homens, se a humildade deve ser nossa alegria, temos de ver que ela não é apenas a marca da vergonha por causa do pecado, mas, independentemente de todo pecado, humildade é estar revestido com a própria beleza e bem-aventurança do céu e de Jesus.

Veremos que, assim como Jesus encontrou Sua glória tomando a forma de um servo, então, quando disse: "Quem quiser tornar-se grande entre vós, esse será o que vos sirva", Ele simplesmente nos ensinou a verdade abençoada de que não há nada tão divino e celestial como ser um servo e ajudador de todos. O servo fiel que reconhece sua posição encontra um prazer real em suprir os desejos do mestre ou de seus convidados. Quando vemos que a humildade é algo infinitamente mais profundo do que contrição e a aceitamos como nossa participação na vida de Jesus, então, começaremos a aprender que ela é nossa verdadeira nobreza e que provar isso sendo servos de todos é o mais elevado cumprimento de nosso destino como homens criados à imagem de Deus.

Quando olho para trás, em minha própria experiência religiosa, ou olho ao redor para a Igreja de Cristo pelo mundo, fico preocupado ao considerar quão pouco a humildade é buscada como aspecto distintivo do discipulado de Jesus. Na pregação e no viver, no convívio diário do lar e da vida social, na comunhão mais especial com cristãos, na direcção e execução da obra de Cristo, ah! Quantas provas há de que a humildade não é considerada a virtude «principal, a raiz da qual as graças podem crescer, a única condição indispensável da verdadeira comunhão com Jesus». O fato de os homens poderem dizer que a afirmação daqueles que dizem estar buscando uma santidade mais elevada não vem acompanhada de um aumento em humildade é um sonoro desafio para todos os cristãos sérios — não importando se há mais ou menos verdade na acusação — para provar que mansidão e humildade de coração são as marcas essenciais pelas quais devem ser conhecidos os que seguem o manso e humilde
Cordeiro de Deus.

 

Capítulo 1

Humildade: a glória da criatura

"E depositarão as suas coroas diante do trono, proclamando: Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas Tu criaste, sim, por causa da Tua vontade vieram a existir e foram criadas", Ap.4.10c-11.

Quando Deus criou o universo, fê-lo com único objectivo de tornar a criatura participante de Sua perfeição e bem-aventurança e, assim, mostrar nela a glória do Seu amor, sabedoria e poder. Deus desejava revelar a Si mesmo dentro e por meio dos seres criados, comunicando-lhes tanto de Sua própria bondade e glória quanto eles fossem capazes de receber. Mas essa comunicação não significava dar à criatura algo que ela pudesse possuir por si mesma, uma vida ou uma bondade sobre as quais tivesse a responsabilidade e a disposição. De forma alguma! Mas como Deus é eterno, omnipresente e omnipotente e sustenta todas as coisas pela palavra do Seu poder e em quem todas as coisas existem, a relação da criatura com Deus somente poderia ser uma relação de ininterrupta, absoluta e universal dependência. Tão certo como Deus, pelo Seu poder, criou uma vez, assim também, pelo mesmo poder, Deus nos sustenta a cada momento. A criatura não tem somente de olhar para trás, para a origem e para os primórdios da existência e reconhecer que todas as coisas vêm de Deus; seu principal cuidado, sua virtude mais elevada, sua única felicidade, agora e por toda a eternidade, é apresentar a si mesma como um vaso vazio, no qual Deus possa habitar e manifestar Seu poder e bondade.

A vida que Deus entregou é concedida não de uma vez, mas a cada momento, continuamente, pela operação incessante de Seu grandioso poder. A humildade, o lugar da plena dependência de Deus, é, pela própria natureza das coisas, a primeira obrigação e a virtude mais elevada da criatura e a raiz de toda virtude.

O orgulho, ou a perda dessa humildade, então, é a raiz de todo pecado e mal. Foi quando os anjos agora caídos começaram a olhar para si mesmos com auto estima que foram levados à desobediência e foram expulsos da luz do céu para as trevas exteriores. E também foi quando a serpente exalou o veneno do seu orgulho, o desejo de ser como Deus, no coração de nossos primeiros pais, que eles também caíram da sua posição elevada para toda a desgraça na qual o homem está, agora, afundado. No céu e na terra, orgulho — auto-exaltação — é a porta, o nascimento e a maldição do inferno.

Por isso, nossa redenção tem de ser a restauração da humildade perdida, o relacionamento original e o verdadeiro relacionamento da criatura com seu Deus. E, portanto, Jesus veio trazer a humildade de volta à terra, fazer-nos participantes dessa humildade e, por ela, nos salvar. Nos céus. Ele se humilhou para se tornar homem. Nós vemos a humildade n’Ele ao se dominar a Si mesmo nos céus; Ele a trouxe, de lá. Aqui na terra, "a Si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte". Sua humildade deu à Sua morte o valor que ela hoje tem e, então, tornou-se na nossa redenção. E agora a salvação que Ele concede é, nada mais, nada menos do que uma comunicação de Sua própria vida e morte, Sua própria disposição e espírito, Sua própria humildade, como o solo e a raiz de Sua relação com Deus e Sua obra redentora. Jesus Cristo tomou o lugar e cumpriu o destino do homem, como uma criatura, por Sua vida de perfeita humildade. Sua humildade é nossa salvação. Sua salvação é nossa humildade.

Assim, a vida dos salvos, dos santos, tem necessariamente de exibir o selo de libertação do pecado e plena restauração do seu estado original; todo seu relacionamento com Deus e com o homem tem de ser marcado por uma humildade que a tudo permeia. Sem isso, não se pode permanecer verdadeiramente na presença de Deus ou experimentar do Seu favor e o poder do Seu Espírito; sem isso não há fé, ou amor, ou regozijo ou força permanentes. A humildade é o único solo no qual a graça se enraíza; a falta de humildade é a explicação para todo defeito e fracasso. A humildade não é apenas uma graça ou virtude como outras; ela é a raiz de todas, pois somente ela toma a atitude correcta diante de Deus e permite que Ele faça tudo.

Deus nos fez seres de tal modo racionais que, quanto mais discernirmos a natureza real ou a necessidade absoluta de uma ordem, tanto mais pronta e plena será nossa obediência a ela. O chamado para a humildade tem sido muito pouco considerado na Igreja porque sua verdadeira natureza e importância têm sido muito pouco compreendidas. Humildade não é algo que apresentamos para Deus ou que Ele concede; é simplesmente o senso do completo nada se ser que vem quando vemos como Deus verdadeiramente é tudo e no qual damos caminho a Deus para ser tudo. Quando a criatura percebe que esta é a verdadeira nobreza e consente ser com sua vontade, sua mente e seus afectos — a forma, o vaso no qual a vida e a glória de Deus estão para trabalhar e manifestar a si mesmas, ela vê que humildade é simplesmente conhecer a verdade de sua posição como criatura e permitir a Deus ter Seu lugar.

Na vida dos cristãos sérios, aqueles que buscam e professam a santidade, a humildade tem de ser a marca principal de sua rectidão. É frequentemente dito que isso não é assim. Não poderia ser uma razão o fato de que, no ensinamento e exemplo da Igreja, a humildade nunca teve o lugar de suprema importância que lhe pertence? E que isso, por sua vez, é devido à negligência desta verdade: que, forte como é o pecado como um motivo para humildade, há uma influência mais ampla e mais poderosa, a qual faz os anjos e a qual fez Jesus, a qual faz o mais santo dos santos nos céus tão humildes: que a primeira e principal marca do relacionamento da criatura, o segredo de sua bem-aventurança, é a humildade e o nada se ser que permitem que Deus seja tudo?

Tenho certeza de que há muitos cristãos que professarão que sua experiência tem sido muito parecida com a minha nisto: que por muito tempo conhecemos o Senhor sem perceber que a mansidão e a humildade de coração devem ser os aspectos distintivos do discípulo assim como foram do Mestre. E, além disso, que essa humildade não é algo que virá por si mesma, mas deve ser feita o objecto de especial desejo, oração, fé e prática. Ao estudar a Palavra, veremos quais instruções distintas e repetidas Jesus deu a Seus discípulos nesse ponto e como eles eram vagarosos em compreendê-Lo. Vamos, logo no início de nossa meditação, admitir que não há nada tão natural para o homem, nada tão insidioso e oculto de nossa visão, nada tão difícil e perigoso como o orgulho. Vamos sentir que nada, a não ser uma espera determinada e perseverante em Deus e Cristo revelará como estamos carentes da graça da humildade e quão débeis somos para obter o que buscamos. Vamos estudar o carácter de Cristo até nossa alma estar cheia de amor e admiração por Sua humildade. E vamos crer que, quando temos a percepção de nosso orgulho e de nossa impotência para expulsá-lo, o próprio Jesus Cristo virá para dar essa graça também como parte de Sua maravilhosa vida dentro de nós.

Capítulo 2

Humildade: O segredo da redenção

"Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, (...) que a Si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo (...) e a Si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz. Pelo que também Deus O exaltou sobremaneira" Fil.2.5, 7b-9a.

Nenhuma árvore pode crescer se não for na raiz da qual brotou. Ao longo de toda a sua existência, ela pode viver somente com a vida que estava na semente que lhe deu existência. A plena compreensão dessa verdade em sua aplicação ao primeiro e ao Ultimo Adão nos ajudará grandemente a entender tanto a necessidade como a natureza da redenção que há em Jesus.

A Necessidade

Quando a velha serpente, que foi expulsa dos céus por seu orgulho, cuja natureza completa como diabo era orgulhosa, falou suas palavras de tentação aos ouvidos de Eva, essas palavras levavam consigo o próprio veneno do inferno. E quando ela ouviu, e entregou seu desejo vontade à possibilidade de ser como Deus, conhecendo o bem e o mal, o veneno entrou em sua alma, sangue e vida, destruindo para sempre aquela abençoada humildade e dependência de Deus que teria sido nossa felicidade perpétua. E, em vez disso, sua vida e a vida da raça que brotou dela se tornaram corrompidas desde a raiz com o mais terrível de todos os pecados e maldições: o veneno do orgulho do próprio Satanás. Todas as desgraças das quais o mundo tem sido o cenário, todas as suas guerras e derramamento de sangue entre as nações, todo o egoísmo e sofrimento, toda a ambição e inveja, todos os seus corações partidos e vidas amarguradas, com toda a sua infelicidade quotidiana, têm sua origem no que este orgulho maldito e infernal — seja o nosso próprio ou o de outros — nos trouxe. É o orgulho que torna necessária a redenção; é do nosso orgulho que precisamos ser redimidos, acima de todas as coisas! E nossa compreensão da necessidade de redenção vai depender grandemente de nosso conhecimento da terrível natureza do poder que entrou em nosso ser.

Nenhuma árvore pode crescer se não for na raiz da qual brotou. O poder que Satanás trouxe do inferno e lançou para dentro da vida do homem, está operando diariamente e de forma permanente e eficaz e com grande poder por todo o mundo. Os homens sofrem por sua causa; eles temem e lutam e fogem disso e ainda não sabem de onde isso vem e de onde provém sua terrível supremacia! Não é de admirar que eles não sabem onde ou como isso deverá ser vencido. O orgulho tem sua raiz e força em um terrível poder espiritual, tanto fora de nós como dentro; tão necessário como confessá-lo e lamentá-lo como sendo nosso próprio é conhecer a origem satânica. Se isso nos leva a um desespero completo de, absolutamente, subjugar e expulsar esse orgulho, isso nos levará o quanto antes ao único poder sobrenatural no qual nossa libertação poderá ser achada: a redenção do Cordeiro de Deus. A batalha desesperada contra a actuação do orgulho dentro de nós pode, realmente, tornar-se ainda mais desesperante quando pensamos no poder das trevas por trás de tudo isso; mas o desespero completo irá preparar-nos melhor para percebermos e aceitarmos um poder e uma vida fora de nós mesmos, que é a humildade dos céus tal como foi trazida para baixo e para perto pelo Cordeiro de Deus, a fim de expulsar Satanás e seu orgulho.

Nenhuma árvore pode crescer se não for na raiz da qual brotou. Assim como precisamos olhar para o primeiro Adão e sua queda para conhecer o poder do pecado dentro de nós, precisamos conhecer também o Ultimo Adão e Seu poder para nos dar interiormente uma vida de humildade tão real e permanente e dominante quanto tem sido a do orgulho. Temos nossa vida de Cristo e em Cristo, tão verdadeiramente — de facto mais verdadeiramente ainda — como tivemos a de Adão e em Adão. Temos de andar arraigados n’Ele "retendo a Cabeça, da qual todo o corpo (...) cresce o crescimento que procede de Deus" (Col.2.7, 19). A vida de Deus, a qual, na encarnação, entrou na natureza humana, é a raiz na qual devemos estar firmados e crescer; é o mesmo poder grandioso que trabalhou lá e, desde então, ruma para a ressurreição, que opera diariamente em nós. Nossa única necessidade é estudar e conhecer e confiar na vida que foi revelada em Cristo como a vida que agora é nossa e espera por nosso consentimento para ganhar possessão e domínio de todo o nosso ser.

Com isso em vista, é de inconcebível importância que tenhamos pensamentos correctos do que Cristo é — do que realmente O constitui como o Cristo — e especialmente do que pode ser considerado como Sua característica principal, a raiz e a essência de todo Seu carácter como nosso Redentor. Não pode haver senão uma resposta: é a Sua humildade. O que é a encarnação. Seu esvaziar a Si mesmo e ter-se tornado homem, senão Sua humildade celestial? O que é a Sua vida na terra. Seu assumir a forma de um servo, senão a humildade? E o que é a Sua expiação senão a humildade? "A Si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte" (Fil.2.9). E o que são Sua ascensão e Sua glória senão a humildade exaltada ao trono e coroada de glória? "A Si mesmo se humilhou (...) pelo que também Deus O exaltou sobremaneira" (vs.8, 9). Nos céus, onde Ele estava como Pai, em Seu nascimento, em Sua vida, em Sua morte, em Seu assentar-se no trono: tudo isso não é outra coisa a não ser humildade. Cristo é a humildade de Deus incorporada na natureza humana: o Amor Eterno humilhando-se a Si mesmo, revestindo-se com as vestes da mansidão e da bondade para vencer, nos servir e salvar. Como o amor e condescendência de Deus fazem Dele o benfeitor, e auxiliador e servo de todos, assim, Jesus, por necessidade, se tornou a Humildade Encarnada. E, assim, mesmo no centro do trono, Ele é o manso e humilde Cordeiro de Deus.

Se isso for a raiz da árvore, sua natureza tem de ser vista em cada ramo, folha e fruto. Se a humildade for a primeira, a graça inclusa em um todo da vida que Jesus tem – se a humildade for o segredo de Sua expiação – então, a saúde e a força de nossa vida espiritual dependerão inteiramente de colocarmos essa graça em primeiro lugar também e assim tornar da humildade a principal coisa que admiramos n’Ele, a principal coisa a pedir d’Ele, a única coisa pela qual sacrificamos tudo o mais.

Será coisa de nos admirarmos que a vida cristã seja tão frequentemente fraca e infrutífera, se a própria raiz da própria Vida – Cristo – é negligenciada passando mesmo por desconhecida? É de se admirar que a alegria da salvação seja tão pouco experimentada, se aquela atitude em que Cristo a encontrou e a trouxe é tão pouco procurada? Até que uma humildade que descansará em nada menos do que o fim e a morte do ego — que renuncia a toda honra dos homens, como Jesus fez, para buscar a honra que vem somente de Deus; que se considera e faz de si mesmo absolutamente nada, para que Deus possa ser tudo, para que somente o Senhor seja exaltado — até que tal humildade seja o que buscamos em Cristo, acima de nossa maior alegria e esta ainda se torne inteiramente bem-vinda a qualquer preço, há muito pouca esperança de que haja uma religião que possa vencer o mundo.

Eu não poderia pleitear com mais seriedade com meu leitor, se, por ventura, sua tentação ainda não se tenha voltado, de maneira especial, à falta de humildade que há dentro e em torno dele, para parar e questionar se ele vê muito do Espírito do manso e humilde Cordeiro de Deus naqueles que são chamados pelo Seu nome. Que ele considere como toda carência de amor, toda indiferença às necessidades, aos sentimentos, à fraqueza de outros, todo julgamento e expressão severa e precipitada – que, tantas vezes, se justificam sob o argumento de se ser franco e honesto – todas as manifestações de temperamento, sensibilidade e irritação e todos os sentimentos de amargura e desavença têm sua raiz em nada senão no seu próprio orgulho que sempre busca a si mesmo e não nos defeitos de outrem! Então, seus olhos serão abertos para ver como um orgulho tenebroso, para não dizer um orgulho diabólico, penetra em quase todo lugar, sem excluir as assembleias dos santos. Que ele comece a questionar qual seria o efeito dentro dele e naqueles à sua volta se os crentes estivessem, de fato, sendo permanentemente guiados pela humildade de Jesus no relacionamento tanto com os santos como com o mundo; e que ele diga se o clamor de todo o nosso coração, noite e dia, não teria de ser: "Que a humildade de Jesus esteja em mim e em todos ao meu redor!" Que enfoque seu coração honestamente em sua própria carência daquela humildade que foi revelada na semelhança da vida de Cristo e em todo o carácter de Sua redenção e ele começará a sentir como se nunca tivesse realmente conhecido o que são Cristo e Sua salvação.

Crente, estude a humildade de Jesus! Esse é o segredo, a raiz oculta da sua redenção. Aprofunde-se nela cada dia. Creia com todo o seu coração que esse Cristo, a quem Deus lhe deu, assim como Sua humildade divina fez o trabalho para você, também entrará para habitar e operar em si e para fazer o que o Pai deseja que você seja.

 

Capítulo 3

A humildade NA vida DE jesus

‘No meio de vós, Eu sou como quem serve" (Lucas 22.27).

No Evangelho de João, temos a vida interior de nosso Senhor exposta para nós. Jesus fala ali frequentemente de Seu relacionamento com Pai, dos motivos pêlos quais Ele é guiado, de Sua omnisciência do poder e espírito nos quais Ele actua. Ainda que a palavra "humilde" não apareça, não há qualquer outro lugar nas Escrituras onde vejamos mais claramente em que consistia Sua humildade. Já dissemos que essa graça, na verdade, nada é senão o simples consentimento da criatura em permitir que Deus seja tudo, em virtude de entregar-se exclusivamente a Sua operação. Em Jesus, veremos que, tanto como Filho de Deus nos céus como homem na terra, Ele tomou o lugar de total subordinação e deu a Deus a honra e a glória que Lhe são devidas. E o que Ele ensinou tão frequentemente tornou-se verdade para Ele mesmo: "Quem a si mesmo se humilhar será exaltado" (Mat.23.12). Como está escrito: "A Si mesmo se humilhou (...) pelo que também Deus O exaltou sobremaneira" (Fil.2.8, 9).

Ouça as palavras em que o Senhor fala de Seu relacionamento com o Pai, e veja como incessantemente Ele usa as palavras "não" e "nada" para referir-se a Ele mesmo. O "não eu", no qual Paulo expressa sua relação com Cristo, é o mesmo espírito no qual Cristo fala de Sua relação com o Pai.

"O Filho nada pode fazer de Si mesmo" (João 5.19).

"Eu nada posso fazer de Mim mesmo (...). O Meu juízo é justo, porque não procuro a Minha própria vontade" (v. 30).

"Não aceito glória que vem dos homens" (v. 41).

"Eu desci do céu, não para fazer a Minha própria vontade" (6.38).

"O Meu ensino não é Meu" (7.16).

"Não vim de Mim mesmo" (v.28 - RC).

“Nada faço por Mim mesmo" (8.28).

"Não vim de Mim mesmo, mas Ele Me enviou" (8.42 - RC).

"Eu não procuro a Minha própria glória" (v.50).

"As palavras que Eu vos digo, não as digo por Mim mesmo" (l 4.10).

"A palavra que estais ouvindo não é Minha" (v.24).

Essas palavras abrem para nós as raízes mais profundas da vida e da obra de Cristo. Elas nos falam como foi que o Deus Todo-Poderoso pôde trabalhar Sua maravilhosa obra de redenção por meio Dele, Cristo. Elas mostram o que Cristo considerou como o estado de coração que Lhe cabia como o Filho do Pai. Elas nos ensinam o que são a natureza e vida essenciais dessa redenção que Cristo cumpriu e agora transmite. É isto: Ele não era nada para que Deus fosse tudo. Ele renunciou a Si mesmo totalmente, com Sua vontade e Suas forças, para que o Pai trabalhasse Nele. De Seu próprio poder, Sua própria vontade. Sua própria glória, de toda a Sua missão com todas as Suas obras e Seu ensinamento – de tudo isso. Ele disse: "Não sou Eu, não sou nada. Eu Me dei totalmente ao Pai para trabalhar; não sou nada, o Pai é tudo". E isso era verdade.

Cristo descobriu que essa vida de total abnegação, de absoluta submissão e dependência da vontade do Pai era uma vida de perfeita paz e alegria. Ele não perdeu nada dando tudo para Deus. Deus honrou Sua confiança e fez tudo para Ele, e, então, O exaltou à Sua mão direita em glória. E porque Cristo se humilhou assim diante de Deus e Deus estava sempre diante Dele, Ele achou possível humilhar-se diante dos homens também e ser o Servo de todos. Sua humildade era simplesmente o entregar a Si mesmo a Deus para permitir que Deus fizesse Nele o que O agradasse, não importando o que os homens à Sua volta dissessem Dele ou fizessem a Ele.

E nesse estado de mente, nesse espírito e disposição, que a redenção de Cristo tem sua virtude e eficácia. É para nos trazer para essa disposição que somos feitos participantes em Cristo. Esta é a verdadeira abnegação, para a qual nosso Salvador nos chama: o reconhecimento de que o ego não tem nada de bom em si mesmo, excepto como um recipiente vazio que Deus tem de preencher, e de que sua pretensão de ser ou fazer qualquer coisa não deve, nem por um momento, ser permitida. E nisto, acima e antes de todas as coisas, que consiste a conformidade com Jesus: nada ser e nada fazer de nós mesmos, para que Deus seja tudo.

Aqui temos a raiz e natureza da verdadeira humildade. Por não entender ou buscar isso é que nossa humildade é tão superficial e tão débil. Temos de aprender de Jesus, que é manso e humilde de coração. Ele nos ensina onde a verdadeira humildade tem origem e acha sua força: no conhecimento de que é Deus quem opera tudo em todos, que nosso dever é
render-nos a Ele em perfeita resignação e dependência, em pleno consentimento de não ser e não fazer nada por nós mesmos. Esta é a vida que Cristo veio revelar e conceder: uma vida para Deus que veio através da morte para o pecado e para o ego. Se sentimos que essa vida é elevada demais para nós e está além de nosso alcance, isso tem de nos tanger ainda mais por buscá-la n’Ele; o Cristo que nos habita interiormente vai viver essa vida, essa mansidão e essa Humildade em nós. Se desejarmos ardentemente por isso, vamos, acima de todas as coisas, buscar o santo segredo do conhecimento da natureza de Deus, enquanto Ele trabalha, a todo momento, tudo em todos: segredo do qual toda a natureza e todas as criaturas e, sobretudo, todo filho de Deus, deve ser a testemunha: nada são senão um vaso, um canal, através do qual o Deus vivo pode manifestar as riquezas de Sua sabedoria, poder e bondade. A raiz de toda virtude e graça, de toda fé e adoração aceitável, é que sabemos que não temos nada que não tenhamos recebido e reverenciamos, na mais profunda humildade, esperando em Deus para isso.

Foi porque essa humildade não era apenas um sentimento temporário despertado e trazido em exercício quando Ele considerava a Deus, mas era o próprio espírito de toda Sua vida, que Jesus era tão humilde em Seu relacionamento com os homens como o era em Seu relacionamento com Deus. Ele se sentiu o Servo de Deus para os homens que Deus fez e amou como uma consequência natural. Ele se considerou como o Servo dos homens para que, por meio Dele, Deus pudesse fazer Sua obra de amor. Ele nunca, nem por um momento, pensou em buscar Sua própria honra ou em usar Seu poder para se reivindicar ou impor a Si mesmo. Seu espírito foi por completo o de uma vida entregue a Deus para Ele operar nela. Somente quando os cristãos estudarem a humildade de Jesus como a própria essência da Sua redenção, como a própria bem-aventurança da vida do Filho de Deus, como o único verdadeiro relacionamento com o Pai e, por isso, como aquilo que Jesus tem de nos dar se devemos ter parte com Ele, é que a terrível carência da real, celestial e manifesta humildade se tornará um fardo e um pesar e só então nossa religião mais simples será colocada de lado para garantir isso, a primeira e principal das marcas do Cristo dentro de nós.

Irmão, você está revestido de humildade? Pergunte ao seu viver diário. Pergunte a Jesus. Pergunte a seus amigos. Pergunte para o mundo. E comece a louvar a Deus, pois foi-lhe aberta, em Jesus, uma humildade celestial que você mal conheceu e, pela qual, uma bênção que você, provavelmente, jamais tenha provado, ainda poderá vir até você.

 

Capítulo 4

A humildade
NO ensinamento DE jesus

"Aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração " (Mateus 11.29).

"Quem quiser tornar-se grande entre vós será esse o que vos sirva (...'), tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir" (Mateus 20.26,28).

Vimos na humildade da vida de Cristo, como Ele nos revelou Seu coração. Agora vamos ouvir Seu ensinamento. Para tal, devemos ouvir como Ele fala disso e até que ponto Ele espera que os homens e especialmente Seus discípulos, sejam humildes como Ele foi. Vamos estudar cuidadosamente as passagens (as quais raramente faço mais do que citar) para receber a plena impressão de quão frequente e quão seriamente Ele ensinou isso. Isso poderá ajudar-nos a perceber o que Ele requer de nós.

  1. Olhe para o início do Seu ministério. Nas bem-aventuranças com as quais o Sermão do Monte começa, Ele falou: "Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. (...) Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra" (Mat.5.3,5). As primeiras palavras de Sua proclamação do reino dos céus revelam a única porta aberta através da qual entramos. Para os pobres, que não têm nada em si mesmos, vem o reino. Para os mansos, que não buscam nada em si mesmos, será a terra. As bênçãos dos céus e da terra são para os humildes. Para a vida celestial e terrena, a humildade é o segredo de bênção.

  2. "Aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma" (11.29). Jesus se ofereceu a Si mesmo como Mestre. Ele nos fala qual o espírito que poderemos achar n’Ele como Mestre, o qual também podemos aprender e receber d’Ele. Mansidão e humildade são a única coisa que Ele nos oferece; nelas acharemos perfeito descanso para nossa alma. A humildade foi destinada para ser nossa salvação.

  3. Os discípulos disputaram quem seria o maior no reino, e concordaram em perguntar ao Mestre (Luc.9.46; Mat.18.1). Ele colocou uma criança no meio deles e disse: "Aquele que se tornar humilde como este menino, esse é o maior no reino dos céus" (Mat.18.4). "Quem é o maior no reino dos céus?" A pergunta é, de fato, de grandes implicações. Qual será a principal distinção no reino dos céus? A resposta, ninguém a não ser Jesus, poderia ter dado: a principal glória nos céus, a verdadeira inclinação celestial, a principal das graças é a humildade. "Aquele que é o menor entre vós, esse será o maior (Luc.9.48) ".

  4. A mãe dos filhos de Zebedeu pediu a Jesus que seus filhos se sentassem à Sua direita e à Sua esquerda, no lugar mais elevado no reino. Jesus disse que não era Ele quem concederia isso, mas o Pai o daria àqueles para quem estava preparado. Eles não devem buscar ou pedir por isso. Seu pensamento tem de estar voltado para o cálice e o baptismo da humilhação. E depois, acrescentou: "Quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva (...) tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir" (Mat.20.20-28). Como a humildade é a marca de Cristo, o Celestial, ela será o único padrão de glória nos céus: o mais humilde é que estará mais perto de Deus. A primazia na Igreja é prometida aos mais humildes.

  5. Falando, às multidões e aos discípulos, sobre os fariseus e sobre o amor deles pelas primeiras cadeiras nas sinagogas. Cristo disse uma vez mais: "O maior dentre vós será vosso servo" (Mat.23.11). A humildade é a única escada para a honra no reino de Deus.

  6. Em outra ocasião, na casa de um fariseu. Ele contou a parábola de um convidado que foi chamado para ocupar um lugar mais à frente (Luc.14.7-11) e acrescentou: "Todo o que se exalta será humilhado; e o que se humilha será exaltado". A exigência é implacável. Não há outro caminho. Somente a auto-humilhação será exaltada.

  7. Depois da parábola do fariseu e do publicano, Cristo falou novamente: "Todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado" (Luc.18.14). No templo, e na presença e na adoração a Deus, tudo o que não é permeado por uma profunda e verdadeira humildade diante de Deus e dos homens é sem valor.

  8. Após ter lavado os pés dos discípulos, Jesus disse: "Se Eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros" (João 13.14). A autoridade da liderança e do exemplo, todo pensamento, seja de obediência ou conformidade, faz da humildade o primeiro e mais essencial elemento do discipulado.

  9. À mesa da Santa Ceia, os discípulos ainda disputavam qual deles seria o maior. Jesus disse: "O maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve. (...) No meio de vós. Eu sou como quem serve" (Luc.22.26,27). O caminho pelo qual Jesus andou, e que Ele nos abriu, o poder e o espírito nos quais Ele operou nossa salvação e para os quais Ele nos salva, é sempre a humildade, que me faz o servo de todos.

Quão pouco isso é pregado! Quão pouco isso é praticado! Quão pouco esta carência é sentida ou confessada, (para não dizer quão poucos chegam a isto: a alguma medida considerável de semelhança a Jesus em Sua humildade). Antes, quão poucos pensam em fazer sempre da humildade um objecto específico de contínuo desejo ou oração. Quão pouco o mundo tem visto isso! Quão pouco isso tem sido visto até mesmo no círculo interior da Igreja.

"Quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva." Que Deus nos permita crer que Jesus fala sério! Todos sabemos o que o carácter de um servo ou escravo fiel implica: devoção aos interesses do mestre, estudo cuidadoso e atento para agradá-lo, deleitar-se em sua prosperidade e honra e felicidade. Há servos na terra nos quais essas disposições são vistas e para os quais o nome de servo nunca foi nada a não ser glória. Para quantos de nós não tem sido uma nova alegria na vida cristã saber que podemos nos entregar como servos, como escravos a Deus e descobrir que Seu serviço é nossa maior liberdade, a liberdade do pecado e do ego? Precisamos agora aprender outra lição: que Jesus nos chama para ser servos uns dos outros e que, quando aceitamos isso de coração, esse serviço também será o mais abençoado de todos, uma nova e mais plena libertação também do pecado e do ego.

A primeira vista, isso pode parecer difícil; isso é assim somente por causa do orgulho que ainda se considera alguma coisa. Se uma vez aprendermos que ser nada diante de Deus é a glória da criatura, o espírito de Jesus, o regozijo dos céus, daremos boas-vindas com todo o coração à disciplina que, porventura, tenhamos ao servir até mesmo aqueles que tentam nos importunar. Quando nosso próprio coração estiver colocado nisto, na verdadeira santificação, estudaremos cada palavra de Jesus em auto-humilhação com novo deleite e nenhum lugar será baixo demais e nenhum rebaixamento será profundo demais e nenhum serviço será insignificante ou prolongado demais se pudermos compartilhar e provar a comunhão com Ele que disse: "Eu, porém, entre vós sou como aquele que serve" (Luc.22.27).

Irmãos, eis aqui o caminho para a vida superior: baixo, mais baixo! Isso foi o que Jesus sempre disse aos discípulos que estavam pensando em ser grandes no reino e em sentar à Sua direita e à Sua esquerda. Não busquem, não peçam por exaltação; isso é trabalho de Deus. Olhem para isso para que vocês se humilhem e não tomem diante de Deus ou do homem lugar que não seja o de servo; isso é o trabalho de vocês. Façam com que esse seja seu único propósito e oração. Deus é fiel. Assim como a água busca e preenche o lugar mais baixo, assim também, no momento em que Deus encontra a criatura rebaixada e esvaziada, Sua glória e poder afluem para exaltar e abençoar. Aquele que se humilhou — esse deve ser nosso único cuidado — esse será exaltado. Isso é o cuidado de Deus; pelo Seu poder maravilhoso e em Seu grande amor. Ele fará isso.

Os homens, algumas vezes, falam como se humildade e mansidão pudessem tirar de nós o que é nobre, corajoso e viril. Oh, quem dera todos cressem que isso é a nobreza do reino dos céus, que isso é o espírito real que o Rei dos céus exibiu, que isso é semelhança a Deus: humilhar-se, tornar-se o servo de todos! Esse é o caminho para a alegria e para a glória da presença de Cristo em nós. Seu poder repousando sobre nós.

Jesus, o Manso e Humilde, nos chama para aprender Dele o caminho de Deus. Vamos estudar as palavras que temos lido, até que nosso coração seja preenchido com o pensamento: "Minha única necessidade é a humildade". E vamos crer que o que Ele mostra, Ele dá; o que Ele é, Ele concede. Como Aquele que é Manso e Humilde, Ele virá e habitará no coração desejoso.

 

Capítulo 5

A humildade nos discípulos de jesus

"O maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve" (Lucas 22.26).

Estudamos a humildade na pessoa e ensinamento de Jesus; vamos agora procurá-la no círculo de Seus companheiros escolhidos: os doze apóstolos. Se, na carência da humildade que achamos neles, o contraste entre Cristo e os homens é tornado mais claro, isso irá nos ajudar a apreciar a poderosa mudança que o Pentecostes fez neles e prova quão real pode ser nossa participação no triunfo perfeito da humildade de Cristo sobre o orgulho que Satanás soprou para dentro do homem.

Nos textos citados do ensinamento de Jesus, já vimos quais foram as ocasiões onde os discípulos provaram quão destituídos estavam da graça e da humildade. Uma vez, eles estavam disputando pelo caminho qual deles seria o maior. Outra vez, os filhos de Zebedeu com sua mãe pediram pêlos primeiros lugares, sentar à direita e à esquerda do Senhor. E mais tarde, na Santa Ceia, na última noite, houve novamente uma contenda sobre quem seria considerado como o maior. Não que não tenha havido momentos em que eles realmente se humilharam diante cio Senhor. Aconteceu com Pedro quando ele disse: 'Senhor, retira-Te de mim, porque sou pecador" (Lc5.8). E também com os discípulos, quando eles caíram em terra e adoraram o Senhor que havia acalmado a tempestade. Mas essas expressões ocasionais de humildade são apenas um forte contraste em relação ao que era o tom habitual de sua mente, como mostrado na revelação natural e espontânea do lugar e poder do ego dada em outras vezes. O estudo do significado de tudo isso nos ensinará lições mais importantes.

Primeiro, quanto pode haver de religião enérgica e activa enquanto a humildade ainda é tristemente ausente. Veja isso nos discípulos. Havia neles uma atracção intensa por Jesus. Eles haviam abandonado tudo por Ele. O Pai lhes havia revelado que Ele era o Cristo de Deus. Eles creram Nele, eles O amaram, eles obedeceram a Seus mandamentos. Eles abandonaram tudo para seguir o Senhor. Quando outros retrocederam, eles se separaram para o Senhor. Eles estavam prontos para morrer com Ele. Mas mais profundo que tudo isso, havia um poder das trevas, de cuja existência e horribilidade eles raramente estavam conscientes, que deveria ser morto e expulso antes que eles pudessem ser as testemunhas do poder de Jesus para salvar.

E ainda é assim. Podemos achar professores e ministros, evangelistas e obreiros, missionários e mestres, em quem os dons do Espírito são muitos e manifestos e são canais de bênção para multidões, mas em quem, quando o tempo de testes vem ou uma comunhão mais próxima permite-nos conhecê-los mais plenamente, é apenas dolorosamente óbvio que a graça da humildade, como característica permanente, é raramente vista. Tudo tende a confirmar a lição de que a humildade é uma das principais e supremas graças, uma das mais difíceis de se obter, algo para o que nossos primeiros e principais esforços têm de ser direccionados, algo que vem somente em poder quando a plenitude do Espírito nos faz participantes do Cristo que habita e vive dentro de nós.

Segundo, quão impotentes são todos os ensinamentos externos e esforços pessoais, para vencer o orgulho ou dar o coração manso e humilde. Durante três anos os discípulos estiveram na escola de treinamento de Jesus. Ele lhes disse qual era a lição principal que desejava ensinar-lhes: "Aprendei de Mim, pois sou humilde e manso de coração". Repetidamente Ele falava-lhes, aos fariseus, à multidão, da humildade como o único caminho para a glória de Deus. Ele não tinha apenas vivido diante deles como o Cordeiro de Deus em Sua humildade divina; Ele lhes expôs, mais de uma vez, o íntimo segredo de Sua vida: "O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir"; "Estou entre vós como aquele que serve." Ele lavou os pés dos discípulos e lhes disse para seguir Seu exemplo. E tudo isso foi de pouco proveito. Na Santa Ceia ainda houve contenda quanto a qual deles seria o maior. Sem dúvida, eles tentaram muitas vezes aprender Suas lições e firmemente resolveram não ofendê-lo novamente. Mas tudo em vão.

Isso deveria ensiná-los e a nós a lição mais necessária de que nenhuma instrução exterior, nem mesmo a dada pelo próprio Cristo; nenhum argumento, por mais convincente que seja; nenhuma percepção da beleza da humildade, por mais profunda que seja; nenhuma decisão pessoal ou esforço, por mais sincero e sério que seja, pode expulsar o mal do orgulho. Quando Satanás expulsa Satanás, isso serve apenas para introduzir novamente um poder mais forte, ainda que mais oculto. Nada pode ser útil, a não ser isto: que a nova natureza em sua divina humildade seja revelada em poder para tomar o lugar da velha, para tornar nossa natureza tão verdadeira como nunca foi.

Terceiro: é apenas pelo habitar de Cristo em Sua divina humildade que nos tornamos verdadeiramente humildes. Temos nosso orgulho que veio de outro, de Adão; temos de ter nossa humildade também de Outro. O orgulho é nosso e governa em nós com seu imenso e terrível poder, porque isso é nosso próprio ser, nossa própria natureza. A humildade tem de ser nossa da mesma maneira; ela tem de vir a ser nosso próprio ser também, nossa própria natureza. Tão natural e fácil como é ser orgulhoso, tem de ser e será, ser humilde. A promessa é: "Onde", até mesmo no coração, "abundou o pecado, superabundou a graça".

Todo ensinamento de Cristo aos Seus discípulos e todo esforço inútil deles, foram a preparação necessária para o Senhor entrar neles em poder divino, para dar e ser neles o que Ele os havia ensinado a desejar. Em Sua morte Ele destruiu o poder do mal, Ele afastou o pecado. Ele consumou uma redenção eterna. Em Sua ressurreição, Ele recebeu do Pai uma vida completamente nova, a vida de homem revigorada pelo poder de Deus, capaz de ser transmitida aos homens, e entrar e renovar e preencher a vida deles com Seu divino poder. Em Sua ascensão Ele recebeu o Espírito do Pai, por meio de quem fez o que não poderia ter feito enquanto sobre a terra: tornar-se um com aqueles que amou; na verdade, viver a vida deles por eles, para que pudessem viver diante do Pai em humildade como Ele, pois era Ele quem vivia e respirava neles. E em Pentecostes Ele veio e tomou posse. O trabalho de preparação e persuasão, o despertar do desejo e esperança que Seu ensinamento efectuou, foi aperfeiçoado pela poderosa mudança que Pentecostes neles fez. E a vida e epístolas de Tiago, Pedro e João trazem a evidência de que tudo mudou, e de que o espírito do manso e sofredor Jesus havia, de fato, se apoderado deles.

O que podemos dizer dessas coisas? Entre meus leitores, tenho certeza de que há mais de um tipo de pessoa. Deve haver alguns que nunca pensaram ainda muito especificamente sobre este assunto e não podem perceber, de uma vez, sua imensa importância como uma questão de vida para a Igreja e para todos os seus membros. Há outros que se sentiram condenados por suas fraquezas e se esforçaram, apenas para falhar e ser desencorajados. Outros podem ser capazes de dar alegres testemunhos de bênção e poder espirituais e ainda assim nunca ter havido a convicção necessária, a qual aqueles à sua volta percebem ainda estar ausente. E ainda outros podem ser capazes de testemunhar que, no que diz respeito a essa graça, o Senhor deu libertação e vitória, mesmo enquanto Ele os ensinava quanto ainda precisavam da plenitude de Jesus e podiam esperar por ela. Não importando a que classe se pertença, devo frisar a urgente necessidade que há para toda nossa busca de uma profunda convicção do lugar único que a humildade possui na religião de Cristo e a absoluta impossibilidade de a Igreja ou de o crente ser o que Cristo gostaria que eles fossem, enquanto Sua humildade não é reconhecida como Sua principal glória, Seu primeiro mandamento e nossa mais elevada bênção. Vamos considerar profundamente quão longe os discípulos haviam conseguido ir enquanto essa graça estava ainda tão terrivelmente ausente e vamos orar a Deus para que somente outros dons não nos satisfaçam, para que nunca nos apeguemos ao fato de que a ausência dessa graça é o segredo pelo qual o poder de Deus não pode fazer sua poderosa obra. E somente ali que nós, como o Filho, verdadeiramente sabemos e mostramos que nada podemos fazer por nós mesmos e Deus fará tudo.

E quando a verdade de um Cristo que habita interiormente toma o lugar pelo qual ela clama na experiência dos crentes que a Igreja colocará suas belas vestes e a humildade será vista em seus mestres e membros como a beleza da santidade.

 

Capítulo 6

A humildade NA vida diária

"Aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amara Deus, a quem não vê" (1 João 4.20).

Que pensamento solene é este: que nosso amor e Deus será medido pelo nosso contacto diário com os homens e o amor que Ele exibe; e que nosso amor a Deus será tido como uma desilusão, excepto quando sua verdade é provada nas situações de teste da vida diária com homens como nós. Também é assim com nossa humildade. E fácil pensar em nos humilharmos diante de Deus, mas a humildade diante dos homens será a única prova suficiente de que nossa humildade diante de Deus é real, de que a humildade tem feito sua morada em nós e torna-se nossa própria natureza, prova de que nós, na verdade, como Cristo, fizemos de nós mesmos pessoas sem reputação. Quando, na presença de Deus, a humildade de coração torna-se, não uma postura que assumimos por um tempo quando pensamos n’Ele ou oramos a Ele, mas o próprio espírito de nossa vida, isso se manifestará em todo o "conduzir adiante" nossos irmãos. A lição é de profunda importância: a única humildade que é realmente nossa não é aquela que tentamos mostrar diante de Deus em oração, mas aquela que carregamos connosco e sustentamos, em nossa conduta comum; as insignificâncias da vida diária são a importância e os testes da eternidade, pois elas provam qual é realmente o espírito que nos domina. É na maioria de nossos momentos desprotegidos que realmente mostramos e vemos o que somos. Para conhecer o homem humilde, para conhecer como o homem humilde se comporta, você tem de segui-lo na vida comum de seu dia-a-dia.

Não foi isso que Jesus ensinou? Quando os discípulos disputaram quem seria o maior, quando Ele viu como os fariseus amavam os primeiros lugares nos banquetes e os primeiros bancos nas sinagogas, quando Ele lhes deu o exemplo ao lavar-lhes os pés: aí Ele ensinou Suas lições de humildade. A humildade diante de Deus não é nada se não for provada em humildade diante dos homens.

É também assim nos ensinamentos de Paulo. Aos romanos, ele escreveu: "Preferindo-vos em honra uns aos outros” (12.10); Em lugar de serdes orgulhosos, condescendei com o que é humilde" (12.16); "Não sejais sábios aos vossos próprios olhos" (12.16). Aos coríntios: "O amor" e não há amor algum sem a humildade como raiz, "não se ufana, não se ensoberbece, não procura os seus interesses, não se exaspera" (1 Cor.13:4, 5). Aos gálatas: "Sede servos uns dos outros, pelo amor. (...) Não nos deixemos possuir de vanglória, provocando uns aos outros, tendo inveja uns dos outros” (5.13,26). Aos efésios, imediatamente após três maravilhosos capítulos sobre a vida celestial: "Andeis (...) com toda humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor" (4.2); "Dando sempre graças por tudo (...), sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo" (5.20,21). Aos Filipenses: "Nada façais por partidarismo, ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo. (...) Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, (...) a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, (...) e a si mesmo se humilhou" (2.3, 5, 7, 8) E aos Colossenses: "Revesti-vos de ternos afectos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade. Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, (...) assim como o Senhor vos perdoou" (3.12,13). E em nossa relação uns com os outros, em nosso tratamento uns para com os outros, que a verdadeira humildade de mente e o coração de humildade serão vistos. Nossa humildade diante de Deus não tem valor, mas antes nos prepara para revelar a humildade de Jesus aos homens como nós. Vamos estudar a humildade no viver diário à luz dessas palavras.

O homem humilde busca a todo tempo agir de acordo com a regra: "Em honra preferindo-vos uns aos outros; servos uns dos outros; considerando cada um os outros superiores a si mesmo; sujeitando-vos uns aos outros." A pergunta frequentemente feita: "Como podemos considerar outros superiores a nós mesmos, quando vemos que eles estão muito abaixo de nós em sabedoria e santidade, em dons naturais ou em graça recebida?" Esse assunto prova prontamente que entendemos muito pouco o que a real humildade de mente é. A verdadeira humildade vem quando, à luz de Deus, vimos a nós mesmos como nada sendo, consentindo em desistir e nos desfazer de nós mesmos, para permitir que Deus seja tudo. A alma que fez isso e pode dizer: "Eu me perdi encontrando a Ti", não mais se compara com outros. Ela desistiu para sempre de todo pensamento do ego na presença de Deus; ela encontra os homens comuns como alguém que não é nada e não busca nada para si mesmo; ela é um servo de Deus e, por causa Dele, um servo de todos. Um servo fiel pode ser mais sábio que o mestre e, ainda assim, conservar o verdadeiro espírito e postura do servo. O homem humilde respeita cada filho de Deus, mesmo o mais débil e o mais indigno e honra-o e o prefere em honra como o filho de um Rei. O espírito Daquele que lavou os pés dos discípulos faz com que nos seja, de fato, uma alegria sermos os menores, sermos servos uns dos outros.

O homem humilde não sente ciúmes ou inveja. Ele pode louvar a Deus quando outros são preferidos e abençoados antes de ele ser. Ele pode suportar ouvir outros sendo louvados e ele sendo esquecido, pois na presença de Deus ele aprendeu a dizer como Paulo: "Nada sou" (2 Cor.2.11). Ele recebeu o espírito de Jesus – que não se agradou a Si mesmo e não buscou Sua própria honra – como o espírito de sua vida.

Entre o que são consideradas tentações para haver impaciência e irritação, para haver opiniões duras e palavras bruscas, tentações que vêm de falhas e pecados de cristãos, o homem humilde carrega a determinação frequentemente repetida em seu coração e mostra isso em sua vida: "Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, (...) assim como o Senhor vos perdoou". Ele aprendeu que, revestindo-se do Senhor Jesus, ele se revestiu "de ternos afectos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade". Jesus tomou o lugar do ego e não é uma impossibilidade perdoar como Jesus perdoou. A humildade de Jesus não consiste meramente em opiniões ou palavras de auto-depreciação, mas, como Paulo coloca, "em um coração de humildade", cercado de compaixão e amabilidade, mansidão e longanimidade, a doce e humilde gentileza reconhecida como a marca do Cordeiro de Deus.

Ao se esforçar por ter as experiências mais elevadas da vida cristã, o crente está frequentemente sob o perigo de visar a e de se regozijar no que alguém pode chamar de a virtude mais humana e valorosa, como ousadia, alegria, desprezo ao mundo, zelo, auto-sacrifício – até mesmo os antigos estóicos ensinaram e praticaram isso – enquanto as mais profundas e gentis, as mais divinas e mais celestiais graças, aquilo que Jesus primeiro ensinou sobre a terra, pois as trouxe do céu, aquilo que está mais evidentemente ligado à Sua cruz e com a morte do ego – pobreza de espírito, mansidão, humildade, modéstia – são raramente consideradas ou valorizadas. Portanto, vamos nos revestir de um coração de compaixão, bondade, humildade, mansidão, longanimidade e vamos provar nossa semelhança com Cristo, não apenas em nosso zelo por salvar o perdido, mas antes de tudo em nosso relacionamento com os irmãos, suportando e perdoando uns aos outros, assim como o Senhor nos perdoou.

Companheiros cristãos, vamos estudar a imagem da Bíblia com respeito ao homem humilde. E vamos perguntar a nossos irmãos, e perguntar ao mundo, se eles reconhecem em nós a semelhança ao original. Vamos nos contentar com nada menos do que tomar cada um desses textos como a promessa do que Deus irá trabalhar em nós, como a revelação em palavras do que o Espírito de Jesus nos dará como um começo dentro de nós. E vamos, em cada falha e fraqueza, simplesmente nos apressar em nos tornar humildes e mansos para o manso e humilde Cordeiro de Deus, na certeza de que onde Ele é entronizado no coração, Sua humildade e bondade serão uma das torrentes de água viva que fluirão também de dentro de nós.

Uma vez mais repito o que já havia dito antes. Sinto profundamente que temos muito pouca percepção do que a Igreja sofre por causa da falta dessa humildade divina, o nada se ser que dá lugar para Deus provar Seu poder. Não faz muito tempo desde que um cristão, com um humilde e amável espírito, comunicou-se com não poucos pontos de missão de várias sociedades e expressou sua profunda tristeza, pois em alguns deles o espírito de amor e tolerância estará tristemente ausente. Homens e mulheres que, na Europa, poderiam escolher seu próprio círculo de amigos, acham difícil suportar e amar e manter a unidade do Espírito no vínculo da paz por estar próximos de outros com mente incompatível. E aqueles que deveriam ter sido companheiros e ajudadores da alegria uns dos outros antes se tornaram um obstáculo e um enfado. E tudo pela única razão: a falta da humildade que se considera nada, que se regozija em tornar-se e ser considerada como o menor e busca apenas, como Jesus, ser o servo, o auxiliar e confortador de outros, até dos mais fracos e mais indignos.

E como acontece de homens que têm alegremente desistido deles mesmos por Cristo acharem tão difícil desistir deles mesmos por seus irmãos? Isso não é culpa da Igreja? Ela tem ensinado tão pouco a seus filhos que a humildade de Cristo é a primeira das virtudes, a melhor de todas as graças e poderes do Espírito. Ela tem provado tão pouco que a humildade de Cristo é o que ela, como Cristo, coloca e prega em primeiro lugar como o que é, de fato, necessário e possível também. Mas não vamos ficar desencorajados. Permitamos que a descoberta da ausência dessa graça nos mova para maior expectativa de Deus. Vamos respeitar todo irmão que nos tenta ou irrita como meio da graça de Deus, instrumento de Deus para nossa purificação, para nosso exercício da humildade que Jesus, nossa Vida, soprou para dentro de nós. E vamos ter tal fé no Tudo de Deus e no nada do ego para que, como nada aos nossos próprios olhos, no poder de Deus, busquemos somente servir uns aos outros em amor.

 

Capítulo 7

Humildade e santidade

"Povo que diz: Fica onde estás, porque sou mais
santo que tu” (Isaías 65.5).

Falamos sobre o Movimento de Santidade em nosso tempo e louvamos a Deus por isso. Ouvimos de muitos buscadores e mestres da santidade, de ensinamento de santidade e reuniões de santidade. As verdades abençoadas da santidade em Cristo, e santidade pela fé, estão sendo enfatizadas como nunca antes. O maior teste para vermos se a santidade que professamos buscar ou atingir é a verdade na vida e esta terá de se tornar evidente e manifesta na humildade crescente que ela produz na criatura. a humildade é a única coisa necessária para permitir que a santidade de Deus habite nela e brilhe através dela. Em Jesus, o Santo de Deus que nos faz santos, a humildade divina era o segredo de Sua vida, de Sua morte e de Sua exaltação; o único teste infalível da nossa santidade será a humildade diante de Deus e dos homens que nos caracteriza. A humildade é a força e a beleza da santidade.

A principal marca da santidade falsificada é sua falta de humildade. Todo aquele que busca a santidade precisa estar vigiando, a fim de que não aconteça que, inconscientemente, o que foi começado no espírito seja aperfeiçoado na carne e o orgulho rasteje onde sua presença é menos esperada. Dois homens foram ao templo para orar: um era um fariseu, o outro era um publicano. Não há posição ou lugar mais sagrado, mas o fariseu pode entrar lá. O orgulho pode chegar-lhe à cabeça dentro do próprio templo de Deus e fazer da adoração a Ele a cena da auto-exaltação do fariseu. Desde que Cristo expôs o orgulho do fariseu, este pôs a veste do publicano e o confessor de profunda pecaminosidade, bem como o que professava a santidade mais elevada, deve estar alerta. Apenas quando estamos muitíssimo ansiosos para ter nosso coração como um templo de Deus, poderemos encontrar os dois homens subindo ao templo para orar. E o publicano constatará que o perigo para si não é proveniente do fariseu ao seu lado, que o despreza, mas do fariseu interior que o elogia e exalta. No templo de Deus, quando pensamos que estamos no Santo dos Santos, na presença de Sua santidade, vamos acautelar-nos do orgulho. "Num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles" (Job 1.6).

"O Deus, graças Te dou porque não sou como os demais homens (...) nem ainda como este publicano" (Luc.18.11). O ego acha razão para sua satisfação naquilo que é apenas o motivo para as acções de graças, nas próprias acções de graça que rendemos a Deus e na própria confissão de que Deus fez tudo isso. Sim, até mesmo no templo, quando a linguagem de penitência e confiança somente na misericórdia de Deus é ouvida, o fariseu pode começar a louvar e, agradecendo a Deus, estar congratulando-se a si mesmo. O orgulho pôde vestir-se com vestes de louvor e também de penitência. Até quando palavras como "Não sou como os demais homens" são rejeitadas e condenadas, o espírito delas pode também, muitas vezes, ser encontrado em nossos sentimentos e linguagem diante de outros adoradores e homens como nós. Se você deseja saber se isso é realmente assim, apenas ouça a maneira como as igrejas e os cristãos geralmente falam uns dos outros. Quão pouco da mansidão e bondade de Jesus é vista. Tão pouco é lembrado de que a humildade profunda tem de ser o princípio predominante do que os servos de Jesus dizem deles mesmos ou uns dos outros. Não há muitas igrejas ou assembleia de santos, muitas missões ou conferências, muitas sociedades ou comités, até mesmo muitas missões nas distantes terras de idolatria, nas quais a harmonia tem sido perturbada e a obra de Deus impedida, porque os homens que são considerados santos provaram em susceptibilidade, precipitação e impaciência, em auto-defesa e auto-afirmação, em julgamentos severos e palavras grosseiras, que eles não consideram outros melhores que eles mesmos e que sua santidade não tem nem um pouco da mansidão dos santos.

Em sua história espiritual, os homens podem ter tido momentos de grande humilhação e quebrantamento, mas isso é muito diferente de ser revestido de humildade, de ter um espírito humilde, de ter a humildade de mente em que cada um considera a si mesmo o servo dos outros e, assim, mostra publicamente a própria mente que está também em Jesus Cristo.

"Fica onde estás, porque sou mais santo que tu!" Que paródia sobre a santidade! Jesus, o Santo, é o Humilde: o mais santo será sempre o mais humilde.

Não há nenhum santo a não ser Deus: temos tanto de santidade quanto temos de Deus. E de acordo com o que temos de Deus, essa será nossa real humildade, pois a humildade não é nada senão o desaparecimento do ego na visão de que Deus é tudo. O mais santo será o mais humilde. Ah! Apesar da ostentação audaciosa dos judeus dos dias de Isaías não ser encontrada frequentemente – até nossa conduta nos ensinou a não falar assim – quantas vezes seu espírito ainda é visto, quer no tratamento com nossos companheiros santos, quer no tratamento com os filhos do mundo. No espírito no qual opiniões são dadas e trabalho é empreendido e faltas são expostas, quantas vezes, apesar de a aparência ser a daquele publicano, a voz ainda é a do fariseu: "O Deus, graças Te dou porque não sou como os demais homens".

E há, então, tamanha humildade a ser encontrada, pela qual os homens, de fato, considerem a si mesmos "menores que o menor de todos os santos" (Ef.3.8), os servos de todos? Há. "O amor não se ufana, não se ensoberbece, não procura os seus interesses" (1 Cor.13.4, 5). Onde o espírito de amor é derramado amplamente no coração, onde a natureza divina vem para um pleno começo, onde Cristo, o manso e humilde Cordeiro de Deus, é verdadeiramente formado no interior, aí é dado o poder de um perfeito amor, que se esquece de si mesmo e acha sua bênção em abençoar outros, em suportá-los e honrá-los, não importa quão fracos sejam. Onde esse amor entra, Deus entra. E onde Deus entrou em Seu poder e revela a Si mesmo como Tudo, a criatura torna-se nada. E onde a criatura se torna nada diante de Deus, ela não pode ser nada a não ser humilde diante de outras criaturas como ela. A presença de Deus torna-se não algo ocasional, de tempos ou temporadas, mas a cobertura sob a qual a alma sempre habita e seu profundo rebaixamento diante de Deus torna-se o santo lugar de Sua presença de onde todas as palavras e obras dela procedem.

Que Deus nos ensine que nossas opiniões e palavras e sentimentos com respeito aos outros homens são Seu teste de nossa humildade diante Dele e que nossa humildade diante Dele é o único poder que nos capacita a ser sempre humildes com os homens. Nossa humildade tem de ser a vida de Cristo, o Cordeiro de Deus, dentro de nós.

Que todos os mestres de santidade, quer no púlpito quer na plataforma e todos os buscadores da santidade, quer em secreto quer na convenção, tomem cuidado. Não há orgulho tão perigoso, pois nenhum é tão subtil e traiçoeiro, como o orgulho da santidade. Não é que o homem sempre diga ou sempre pense: "Fique onde está; sou mais santo que você". Não, na verdade, esse pensamento é tratado com aversão. Mas lá cresce, inconscientemente, um hábito oculto da alma, que sente satisfação em seus feitos e não pode ajudar outros por ver quão avançada está em relação a eles. Isso pode ser percebido, não sempre numa especial auto-afirmação ou auto-exaltação, mas simplesmente na carência daquela profunda auto-humilhação que não pode ser senão a marca da alma que viu a glória de Deus (Job 42.5,6; Is.6.5). Isso revela a si mesmo, não apenas em palavras ou pensamentos, mas num tom, numa maneira de falar de outros, nos quais aqueles que têm o dom de discernimento espiritual não podem fazer outra coisa a não ser perceber o poder do ego. Até o mundo com seus olhos penetrantes observa isso e faz questão de apontar para isso como uma prova de que o professar de uma vida celestial não produz nenhum fruto celestial especial. Oh! irmãos, vamos nos acautelar. A menos que façamos com que cada avanço no que pensamos ser santidade corresponda ao crescimento da humildade de facto, perceberemos que temo-nos deleitado em belos pensamentos e sentimentos, em actos solenes de consagração e fé, enquanto a única marca segura da presença de Deus, o desaparecimento do ego, esteve o tempo todo ausente. Venham e vamos fugir para Jesus e escondermo-nos n’Ele até que sejamos revestidos com Sua humildade. Somente isso é nossa santidade.

Capítulo 8

Humildade e pecado

“Pecadores, dos quais eu sou o principal” (1 Tim.1.15).

A humildade é frequentemente identificada com penitência e contrição. Como consequência, parece não haver outra maneira de cultivar a humildade a não ser mantendo a alma ocupada com seu pecado. Aprendemos, penso, que a humildade é algo diferente e muito além disso. Vimos no ensinamento de nosso Senhor Jesus e das epístolas do Novo Testamento quantas vezes a virtude é mostrada sem nenhuma referência ao pecado. Na própria natureza das coisas, na relação completa da criatura com o Criador, na vida de Jesus como Ele a viveu e a compartilha connosco, a humildade é a própria essência da santidade como o é da bênção. Isso é a destituição do ego pela entronização de Deus. Onde Deus é tudo, o ego é nada.

Mas, apesar de esse ser o aspecto da verdade que senti ser especialmente necessário destacar, preciso dizer, de maneira rápida, o que da profundeza e intensidade do pecado do homem e da graça de Deus dão à humildade dos santos. Temos apenas de olhar para um homem como o apóstolo Paulo para ver como, através de sua vida como um homem remido e santo, ele vive inextinguivelmente a profunda percepção de ter sido um pecador. Conhecemos as passagens nas quais ele se refere à sua vida como um perseguidor e blasfemo. "Eu sou o menor dos apóstolos, que mesmo não sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a Igreja de Deus. (...) Trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus comigo." (1Cor.15.9,10). "A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios..." (Ef3.8). "A mim que noutro tempo era blasfemo e perseguidor e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade. (...) Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal”, (1Tim.1.13, 15). A graça de Deus o salvou; Deus nunca mais se lembrou do seu pecado; mas Paulo nunca, nunca poderia esquecer quão terrivelmente havia pecado. Quanto mais ele se regozijava na salvação de Deus e quanto mais sua experiência da graça de Deus o preenchia com alegria indizível, mais clara era sua percepção de que ele era um pecador salvo e de que a salvação não tinha significado ou doçura, excepto pelo fato de ele ser um pecador fazer com que isso lhe fosse precioso e real. Nunca, nem por um momento, ele poderia esquecer que foi um pecador que Deus tomou nos braços e coroou com Seu amor. Os textos que acabamos de citar são frequentemente citados como a confissão de Paulo de seu pecar quotidiano. Você tem apenas de lê-los atentamente em seu contexto, para ver quão pouca relação eles têm com isso. Esses versículos têm um significado amplamente profundo, pois se referem ao que dura pela eternidade e dará seu profundo e suave som de assombro e adoração à humildade com a qual o remido adora diante do trono, como aquele que foi lavado de seus pecados no sangue do Cordeiro. Nunca, nunca, nem mesmo na glória, eles podem ser outra coisa a não ser pecadores redimidos; nunca, nem por um momento nessa vida, o filho de Deus pode viver na luz plena de Seu amor a não ser quando sente que o pecado, do qual foi salvo, é seu único direito e título para tudo que a graça prometeu fazer. A humildade com a qual ele primeiro apareceu como pecador diante de Deus adquire um novo significado quando ele aprende como ela o tornou uma criatura. E depois, continuamente, a humildade, na qual ele nasceu como uma criatura, tem sua mais profunda, mais rica forma de adoração, na memória de que deve ser um monumento do maravilhoso amor redentor de Deus.

A verdadeira importância do que essas expressões de Paulo nos ensinam vem tanto mais fortes quando reparamos o notável facto de que, através de toda a sua trajectória cristã, nunca achamos, da ponta de sua pena, nem mesmo naquelas epístolas em que temos suas mais intensas confissões pessoais, qualquer coisa como confissão de pecado. Em nenhum lugar há menção de fraqueza ou defeito, em nenhum lugar alguma sugestão aos seus leitores de que ele tenha falhado em obrigação ou tenha pecado contra a lei do perfeito amor. Ao contrário, há passagens, não poucas, nas quais ele vindica a si mesmo em linguagem que nada significa se não apela para uma vida sem falta diante de Deus e dos homens. "Vós e Deus sois testemunhas do modo por que piedosa, justa e irrepreensivelmente procedemos em relação a vós outros que credes." (1Tes.2.10). "Porque a nossa glória é esta: o testemunho da nossa consciência, de que com santidade e sinceridade de Deus, não com sabedoria humana, mas na graça divina, temos vivido no mundo e mais especialmente para convosco." (2Cor.1.12). Isso não é um ideal ou uma inspiração; é um apelo para aquilo que sua verdadeira vida foi. Por mais que possamos considerar essa falta de confissão de pecado, todos admitirão que isso tem de apontar para uma vida no poder do Espírito Santo, tanto que raramente é percebida ou esperada em nossos dias.

O ponto que desejo enfatizar é este: que o próprio facto da carência de tal confissão somente dá mais força para a verdade de que não é no pecar diário que o segredo da humildade profunda será encontrado, mas na habitual posição a qual nunca, nem por um momento, pode ser esquecida e que tão-somente a mais abundante graça manterá mais distintamente vivo e activo o fato de que nosso único lugar, o único lugar de bênção, nossa única posição de habitar diante de Deus, tem de ser aquela daqueles cuja maior alegria é confessar que são pecadores salvos pela graça.

Com a profunda recordação de Paulo de haver pecado tão terrivelmente no passado, antes de a graça encontrá-lo, e a consciência de ser guardado de pecar presentemente, estava continuamente ligada à lembrança permanente do poder oculto do pecado sempre pronto para aparecer e só afastado pela presença e poder do Cristo que habita interiormente. "Em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum": essas palavras de Romanos 7 descrevem a carne como ela será para sempre. A gloriosa libertação de Romanos 8.2 — "A Lei do Espírito da vida em Cristo Jesus me livrou da lei do pecado", a qual me havia capturado — não é nem a aniquilação nem a santificação da carne, mas uma vitória contínua dada pelo Espírito quando Ele mortifica os feitos do corpo. Como a saúde expele a doença e a luz traga as trevas e a vida vence a morte, o habitar interior de Cristo através do Espírito é a saúde e luz e vida da alma. Mas com isso, a convicção da possibilidade de abandono e perigo sempre tempera a fé de alguém na acção passageira ou contínua do Espírito Santo, dando-lhe aquele sentido simples de dependência que faz a fé superior e alegra as criaturas com uma humildade que vive através da graça de Deus.

Todas as três passagens anteriormente citadas mostram que havia sido aquela maravilhosa graça dada a Paulo e da qual ele sentia necessidade a todo momento, que o humilhava tão profundamente. A graça de Deus que estava nele e o capacitava a laborar mais abundantemente do que todos os outros, a graça para pregar aos idólatras as insondáveis riquezas de Cristo, a graça que sobrepujava abundante com a fé e o amor que estão em Cristo Jesus: isso era essa graça da qual a própria natureza e glória, para pecadores, se mantinha viva tão intensamente ao manter a plena consciência de ele ter pecado uma vez e de ainda estar sujeito a pecar, "Onde abundou o pecado, superabundou a graça" (Rom.5.20). Isso revela quanto a própria essência da graça é tratar com o pecado e afastá-lo e como ela deve sempre ser: quanto mais abundante a experiência de graça, mais intensa consciência de ser um pecador. Não é o pecado, mas é a graça de Deus mostrando ao homem e sempre fazendo-o lembrar de que foi pecador que irá mantê-lo verdadeiramente humilde. Não é o pecado, mas é a graça que me fará, de fato, conhecer-me como pecador e irá fazer do lugar da mais profunda auto-humilhação do pecador o lugar que nunca deixarei.

Temo que haja muitos que, pelas fortes expressões de auto-condenação e auto-acusação, têm buscado humilhar-se e tenham de vir a confessar, com pesar, que um espírito humilde — um "coração de humildade", que é acompanhado de bondade e compaixão, de mansidão e tolerância — ainda se acha tão longe quanto deles sempre esteve. Estar ocupado com o ego, mesmo na mais profunda auto-versão, não pode nunca nos livrar do ego. É a revelação de Deus, não apenas pela lei condenando o pecado, mas pela Sua graça libertando dele, que nos fará humildes. A lei pode quebrar o coração com temor, mas é apenas a graça que trabalha aquela doce humildade que se torna uma alegria para a alma como sua própria natureza. Foi a revelação de Deus em Sua santidade, aproximando-se para fazer a Si mesmo conhecido em Sua graça, que fez Abraão e Jacob, Job e Isaías, curvarem-se tão baixo. É esta a alma na qual Deus, o Criador, e o Tudo da criatura no nada ser dela. Deus, o Redentor, em Sua graça, como o Tudo do pecador em sua pecaminosidade, é esperado e confiado e adorado, que irá encontrar a si mesmo tão preenchido com Sua presença, que não haverá lugar para o ego. Somente, então, a promessa poderá ser cumprida: "A altivez do homem será rebaixada e só o Senhor será exaltado naquele dia" (Is.2.11). Isso é o pecador habitando na plena luz do amor redentor e santo de Deus, na experiência daquele habitar interior pleno do amor divino que vem através de Cristo e do Espírito Santo, que não pode ser nada a não ser humilde. Não estar ocupado com o pecado, mas estar ocupado com Deus, traz-nos libertação do ego.

 

Capítulo 9

Humildade e fé

“Como podeis crer, recebendo honra uns dos outros, e não buscando a honra que vem só de Deus?” (João 5.44).

Numa pregação que ouvi recentemente, o pregador disse que as bênçãos da vida cristã mais elevada eram frequentemente como os objectos expostos em uma vitrina de loja: você poderia vê-los claramente, mas não poderia alcançá-los. Se fosse dito a um homem para estender a mão e pegar, ele responderia: "Não posso; há uma grossa vidraça entre mim e eles."

Mesmo os cristãos podem ver claramente as abençoadas promessas de paz perfeita e repouso, de amor e alegria transbordantes, de permanente comunhão e frutificação e ainda sentir que há algo no meio obstruindo a verdadeira posse. E o que seria isso? Nada a não ser o orgulho. As promessas feitas à fé são tão livres e certas, os convites e encorajamentos tão fortes, o maravilhoso poder de Deus com a qual a fé pode contar, estão tão perto e acessíveis que o que impede que a bênção seja nossa só pode ser algo que impede a própria fé.

No texto bíblico mencionado, Jesus revela para nós que é, de fato, o orgulho que faz a fé impossível. "Como podeis crer, vós os que aceitais glória uns dos outros?" Quando virmos como, em natureza, o orgulho e a fé são irreconciliáveis por sua divergência, aprenderemos que a fé e a humildade são um na sua essência e raiz e que nunca podemos ter mais de verdadeira fé do que temos de verdadeira humildade; devemos ver que podemos, na verdade, ter uma forte convicção intelectual e segurança da verdade enquanto o orgulho é mantido no coração, mas que isso faz da fé viva, que tem o poder de Deus, uma impossibilidade.

Precisamos somente pensar por um momento no que é a fé. Não é a confissão do nada se ser e de abandono, não é a entrega e a espera para deixar Deus trabalhar? Não é em si mesma a coisa mais humilhante que pode haver: a aceitação de nossa posição como dependentes, que não podem clamar ou conseguir ou fazer nada a não ser o que a graça concede? A humildade é simplesmente a disposição que prepara a alma para viver em confiança. E tudo, até mesmo o mais secreto sopro de orgulho, na forma de busca de si mesmo, vontade própria, confiança em si mesmo ou auto-exaltação, é apenas o fortalecimento do fato de que o ego não pode entrar no reino nem possuir as coisas do reino, pois se recusa a permitir que Deus seja o que Ele é e tem de ser ali: Tudo em todos.

Fé é o órgão ou sentido para percepção e apreensão do mundo celestial e de suas bênçãos. A fé busca a glória que vem de Deus, que vem apenas de onde Deus é tudo. Enquanto aceitarmos glória uns dos outros, enquanto buscarmos e amarmos sempre e guardarmos zelosamente a glória dessa vida – a honra e reputação que vêm dos homens – não buscamos e não podemos receber, a glória que vem de Deus. O orgulho faz com que a fé seja impossível. A salvação vem por meio de uma cruz e de um Cristo crucificado. A salvação é a comunhão, no Espírito de Sua cruz, com o Cristo crucificado. A salvação é a união com a humildade de Jesus e o deleite nela, salvação é a participação na humildade de Jesus. É admirável que nossa fé seja tão débil quando o orgulho ainda reina e ainda não tenhamos aprendido que a humildade é a parte mais necessária e abençoada da salvação, nem oramos por isso?

A humildade e a fé estão mais intimamente associadas nas Escrituras do que muitos acham. Veja isso na vida de Cristo. Há dois casos nos quais Ele falou de uma grande fé. O centurião, de cuja fé Ele se maravilhou dizendo: "Em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei fé como esta", não Lhe falou: "Senhor, não sou digno de que entres em minha casa"? E a mãe para quem Ele disse: "Oh, mulher, grande é a tua fé!" não aceitou ser chamada de cachorro e disse: “Sim, Senhor, porém os cachorrinhos comem das migalhas”? Isso é a humildade que leva uma alma a ser nada diante de Deus, que também remove todo impedimento à fé e faz com que o único temor seja desonrá-Lo por não confiar Nele integralmente.

Irmão, não teremos nós aqui a causa do fracasso na busca da santidade? Não é isso que faz nossa consagração e nossa fé tão superficiais e de vida tão curta? Não tínhamos ideia de que orgulho e ego extensos ainda estavam trabalhando secretamente dentro de nós e como somente Deus, por Sua entrada e Seu maravilhoso poder, poderia expulsá-los. Não nos entendíamos como nada, a não ser através daquela nova e divina natureza tomando inteiramente o lugar do velho ego e nada a não ser isso poderia tornar-nos realmente humildes. Não sabíamos que a humildade absoluta, incessante, universal tem de ser a raiz e a disposição de toda oração e todo acesso a Deus assim como de todo tratamento com o homem e que podemos ver sem olhos ou viver sem respirar tanto como crer ou aproximar-nos de Deus ou habitar em Seu amor, sem uma humildade sempre permanente e esta a nível de coração e existência.

Irmão, não cometemos um erro ao encontrar tantos problemas para crer, enquanto havia sempre o velho ego em seu orgulho buscando possuir para si mesmo as bênçãos e riquezas de Deus? Não admira que não pudéssemos crer! Vamos mudar nosso comportamento. Vamos buscar, antes de tudo, humilhar-nos sob a poderosa mão de Deus: Ele nos exaltará. A cruz, a morte e a tumba, nas quais Jesus se humilhou, eram Seu caminho para a glória de Deus. E são nosso caminho também. Vamos desejar unicamente e orar fervorosamente por sermos humilhados com Ele e como Ele; vamos aceitar alegremente o que quer que possa nos humilhar diante de Deus e dos homens – esse é o único caminho para a glória de Deus.

Talvez alguém se sinta inclinado a fazer uma pergunta. Falei de alguns que tiveram experiências abençoadas ou que são os instrumentos para levar bênção aos outros e, ainda assim, se acham na carência de humildade. Alguém pode perguntar se isso não prova que eles têm fé verdadeira e até forte, apesar de mostrarem tão claramente que ainda buscam muito a honra que vem dos homens. Há mais de uma resposta que pode ser dada. Mas a principal resposta em nosso presente contexto é esta: eles, de fato, têm uma medida de fé, na proporção da qual, com os dons especiais dados a eles, é a bênção que eles trazem para outros. Mas apesar da bênção que trazem, a eficácia da fé deles é impedida por causa da ausência de humildade. A bênção é frequentemente superficial ou transitória, apenas porque eles não são o nada que abre o caminho para Deus ser tudo. Uma profunda humildade traz, sem dúvida, uma mais profunda e plena bênção. O Espírito Santo, não apenas trabalhando neles como um Espírito de poder, mas habitando neles na plenitude de Sua graça, especialmente a graça da humildade, iria, através deles, transmitir a Si mesmo a esses convertidos para uma vida de poder e santidade e firmeza, o que é muito pouco visto actualmente.

"Como podeis vós crer, recebendo glória uns dos outros? Irmão! Nada pode curar você do desejo de receber glória dos homens, ou da sensibilidade e dor e raiva que vêm quando ela não é dada, a não ser dar a si mesmo para buscar somente a glória que vem de Deus. Deixe que a glória do Deus Todo Glorioso seja tudo para si. Você será libertado da glória dos homens e do ego e estará contente e alegre em ser nada. Nesse nada, você crescerá forte na fé, dando glória a Deus e irá descobrir que quanto mais profundamente mergulhar em humildade diante de Deus, mais perto Ele está para satisfazer todo desejo de sua fé.

 

Capítulo 10
humildade e morte ao ego

“A Si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte”, (Fil.2.8).

A humildade é o caminho para a morte, pois na morte ela dá a maior prova de sua perfeição. A humildade é o florescimento do qual a morte ao ego é o perfeito fruto. Jesus se humilhou até a morte e abriu assim o caminho no qual devemos andar também. Assim, como lá não havia maneira de Ele provar Sua entrega absoluta ou de desistir e sair da natureza humana para a glória do Pai a não ser pela morte, assim também é connosco. A humildade tem de nos levar a morrer para o ego; então, provaremos como desistimos de nós mesmos para ele e para Deus: somente, então, somos libertados da natureza decaída e encontramos o caminho que leva para a vida em Deus, para o pleno nascimento da nova natureza, da qual a humildade é o fôlego e a alegria.

Temos falado do que Jesus fez por Seus discípulos quando transmitiu Sua vida de ressurreição para eles, quando, na descida do Espírito Santo, Ele, o glorificado e entronizado Manso, veio dos céus para habitar neles. Ele ganhou o poder para fazer isso por meio da morte: a vida que Ele partilhou, em seu carácter mais intrínseco, foi uma vida que saiu da morte, uma vida que foi entregue à morte e foi ganha pela morte. Ele, que veio habitar nos discípulos era, Ele mesmo, Alguém que havia sido morto e agora vivia para sempre. Sua vida, Sua pessoa, Sua presença carregam as marcas de morte, de ser uma vida nascida da morte. Aquela vida em Seus discípulos também carrega sempre as marcas da morte; é somente como o Espírito da morte, do Morto, ao habitar e trabalhar na alma, que o poder de Sua vida pode ser conhecido. A primeira e principal das marcas do morrer do Senhor Jesus, das marcas da morte que indicam o verdadeiro seguidor de Jesus, é a humildade, por estas duas razões: somente a humildade leva à perfeita morte e somente a morte aperfeiçoa a humildade. A humildade e a morte são, em essência, uma só: a humildade é o embrião e, na morte, o fruto é amadurecido até a perfeição.

A Humildade Leva à Perfeita Morte

Humildade significa o desistir do ego e o tomar o lugar do perfeito nada se ser diante de Deus. Jesus humilhou-se e tornou-se obediente até a morte. Na morte, Ele deu a maior e a mais perfeita prova de ter desistido de Sua vontade em prol da vontade de Deus. Na morte. Ele desistiu de Si mesmo, com a natural relutância do ego em beber do cálice; Ele desistiu da vida que tinha em união com nossa natureza humana; Ele morreu para o ego e para o pecado que O tentava; então, como homem, Ele entrou na perfeita vida de Deus. Se não fosse pela Sua infinita humildade, considerando a Si mesmo como nada, a não ser como um servo para fazer e sofrer a vontade de Deus, Ele nunca teria morrido.

Isso nos dá a resposta para a questão tão frequentemente feita e da qual o significado muito raramente é apreendido de forma clara: "Como posso morrer para o ego?" A morte para o ego não é nossa obra, é obra de Deus. Em Cristo você está morto para o pecado; a vida que estava em si se foi pelo processo de morte e ressurreição; você pode estar certo de que está, de fato, morto para o pecado. Mas a plena manifestação do poder dessa morte em sua disposição e conduta depende da medida que o Espírito Santo partilha do poder da morte de Cristo. E é aqui que o ensinamento é necessário: se você entrasse em plena comunhão com Cristo em Sua morte e conhecesse a plena libertação do ego, humilhar-se-ia a si mesmo. Essa é sua única obrigação. Coloque-se diante de Deus em completo abandono; consinta de coração com o fato de sua impotência para matar a si mesmo e de fazê-lo viver; mergulhe em seu próprio nada ser, no espírito de mansidão e paciência e confiável entrega a Deus. Aceite cada humilhação, olhe para cada homem que o tenta ou irrita como um meio de graça para humilhá-lo. Use toda oportunidade de se humilhar diante dos homens como uma ajuda para permanecer diante de Deus. Deus aceitará tal humilhação como a prova de que você deseja isso de todo coração, como a melhor oração por isso, como sua preparação para o poderoso trabalho da graça d’Ele, quando, pela poderosa força de Seu Santo Espírito, Ele revela Cristo plenamente em si, para, então, Ele, em Sua forma de servo, ser verdadeiramente formado em seu coração e habitar lá indefinidamente. Esse é o caminho de humildade que leva à perfeita morte, à plena e perfeita experiência de que estamos mortos em Cristo.

Somente a Morte Leva à Perfeita Humildade

Oh, tomemos cuidado com o erro que muitos cometem: eles gostariam de ser humildes, mas estão temerosos de ser muito humildes. Eles têm tantas qualificações e limitações, tantos arrazoamentos e questionamentos do que a verdadeira humildade é e faz, que nunca se submetem sinceramente a ela. Cuidado com isso! Humilhe-se até a morte. E na morte ao ego que a humildade de Cristo é aperfeiçoada. Esteja absolutamente certo de que na raiz de toda experiência real de mais graça, de todo verdadeiro progresso na consagração, de toda conformação realmente crescente à semelhança de Jesus, tem de haver uma mortificação para o ego a qual prova, a Deus e aos homens, que é genuína, em nossa disposição e hábitos. É lamentavelmente possível falar de morte e vida e do andar no Espírito mesmo quando até o mais ingénuo de todos os homens pode ver o quanto há de ego. A morte ao ego não tem marca mais certa de morte do que uma humildade que faz de si mesmo alguém sem reputação, que se esvazia e toma a forma de servo. E possível falar muito e honestamente de comunhão com um Jesus desprezado e rejeitado e de carregar Sua cruz, enquanto a mansa e humilde, a meiga e gentil humildade do Cordeiro de Deus não são vistas ou são vistas muito raramente. O Cordeiro de Deus significa duas coisas: mansidão e morte. Vamos buscar recebê-Lo em ambas as formas. N’Ele, essas marcas são inseparáveis: elas têm de estar em nós também.

Que tarefa sem esperança se nós tivéssemos de fazer o trabalho! Natureza nunca pode vencer natureza, nem mesmo com a ajuda da graça. Ego nunca pode expulsar ego, nem mesmo no homem regenerado. Louvado seja Deus! O trabalho foi feito, concluído e aperfeiçoado para sempre! A morte de Jesus, de uma vez por todas, é a nossa morte para o ego. E a ascensão de Jesus, Sua entrada de uma vez por todas no Santo dos Santos, nos deu o Espírito Santo para nos transmitir em poder e fazer nosso o poder da morte para a vida. Como a alma, na busca e prática da humildade, segue os passos de Jesus, sua consciência da necessidade de algo mais é despertada, seu desejo e esperança são apressados, sua fé é fortalecida e ela aprende a olhar para o alto e clamar e receber aquela verdadeira plenitude do Espírito de Jesus que pode, diariamente, manter a morte ao ego e pecado sob o seu pleno poder e fazer da humildade o espírito sempre permanente de nossa vida.

“Porventura, ignorais que todos nós que fomos banzados em Cristo Jesus fomos baptizados na sua morte?” (...) Considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus. (...) Oferecei-vos a Deus, como ressurrectos dentre os mortos" (Rom.6.3,11,13). A completa auto consciencialização do cristão é ser saturado e caracterizado pelo espírito que avivou a morte de Cristo. Ele tem sempre de oferecer-se a Deus como alguém que morreu em Cristo e em Cristo está vivo sobrevindo da morte, levando em seu corpo o morrer do Senhor Jesus. Sua vida sempre leva as duas marcas entrelaçadas: alcançando suas raízes, na verdadeira e profunda humildade dentro da sepultura de Jesus, a morte ao pecado e ao ego e sua cabeça elevada, em poder de ressurreição, aos céus onde Jesus está.

Crente, clame a Deus em fé pela morte e pela vida de Jesus como suas. Entre na sepultura de Cristo, no descanso do ego e da obra do ego – descanso de Deus. Com Cristo, que confiou Seu espírito nas mãos do Pai, humilhe-se e desça cada dia até aquela perfeita esperança da total dependência de Deus. Deus irá ressuscitá-lo e exaltá-lo. Mergulhe cada manhã em profundo, profundo nada ser dentro da sepultura de Jesus; cada dia a vida de Jesus será manifesta em si mesmo. Permita que uma sempre disposta, amável, tranquila e alegre humildade seja a marca que você tenha, de fato, reivindicado como seu direito de nascimento: o baptismo para dentro da morte de Cristo. "Com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados" (Heb.10.14). As almas que entram em Sua humilhação acharão n’Ele o poder para ver e considerar o ego morto, e, como aqueles que aprenderam e receberam d’Ele, para andar com toda humildade e mansidão, suportando uns aos outros em amor. A morte e vida serão vistas em uma mansidão e humildade como a de Cristo foi.

 

Capítulo 11

Humildade E alegria

"De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquejas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquejas (...) Porque quando sou fraco, então, e que sou forte” (2 Cor.12.9,10).

Com receio de que Paulo pudesse exaltar-se a si mesmo, por causa da excessiva grandiosidade das revelações, um espinho na carne foi enviado para mantê-lo humilde. O primeiro desejo de Paulo foi que o espinho fosse removido e este suplicou ao Senhor por três vezes que o espinho o deixasse. A resposta que veio foi que o sofrimento ou era uma bênção: que, na mansidão e humilhação que ele havia trazido, a graça e a força do Senhor poderiam ter sua melhor manifestação. Paulo, então, entrou em um novo estágio de relacionamento com o sofrimento: em vez de apenas tolerá-lo, de boa vontade gloriava-se nele; em vez de pedir pela libertação, teria prazer nele. Paulo havia aprendido que o lugar da humilhação é o lugar de bênção, de poder e de alegria.

Todo cristão provavelmente passa por esses dois estágios em sua busca pela humildade. Primeiro, ele teme e foge e busca libertação de tudo o que possa humilhá-lo. Ele ainda não aprendeu a buscar humildade a qualquer custo. Ele aceitou a ordem para ser humilde e busca obedecer, ainda que somente para descobrir como falha redondamente. Ele ora por humildade, às vezes muito seriamente; mas no seu coração, em secreto, ele ora mais – se não em palavras, em desejo – para ser livrado das coisas que irão torná-lo humilde. Ele não está tão apaixonado pela humildade como a beleza do Cordeiro de Deus e a alegria dos céus, a ponto de vender tudo para obtê-la. Em sua busca pela humildade e em sua oração por isso, ainda há algo de um sentimento de fardo e de cativeiro; humilhar-se ainda não se tornou a expressão espontânea de uma vida e natureza que são essencialmente humildes. Ainda não se tornou sua alegria e único prazer. Ele não pode dizer: "De boa vontade me gloriarei na fraqueza, tenho prazer no que quer que me humilhe".

Mas podemos esperar alcançar o estágio no qual isso ocorrerá? Sem dúvida alguma. E o que nos levará até lá? O que levou Paulo: uma nova revelação do Senhor Jesus. Nada a não ser a presença de Deus pode revelar e banir o ego. Uma percepção interior clara estava para ser dada a Paulo em relação à profunda verdade de que a presença de Jesus irá expulsar todo desejo de buscar qualquer coisa em nós mesmos, e nos fará deleitar em toda humilhação que nos prepara para Sua plena manifestação. Nossas humilhações nos levam, na experiência da presença e poder de Jesus, a escolher a humildade como nossa maior bênção. Vamos tentar aprender as lições que a história de Paulo nos ensina.

Podemos ter crentes espiritualmente avançados, mestres eminentes, homens de experiências celestiais, que ainda não aprenderam a lição da perfeita humildade, de alegremente se gloriarem na fraqueza. Vemos isso em Paulo. O perigo de exaltar-se estava por muito perto. Ele ainda não sabia perfeitamente o que era ser nada, morrer, para que Cristo pudesse viver nele e a ter prazer em tudo o que o trouxesse para aquela posição de servo. É como se isto fosse a maior lição que ele tinha de aprender: plena conformidade ao seu Senhor naquele auto-esvaziamento em no qual ele se gloriava da fraqueza a fim de que Deus pudesse ainda ser tudo.

A mais alta lição que um crente tem de aprender é a humildade. Oh, que todo cristão que busca avançar na santidade se possa lembre bem disto! Pode haver uma consagração intensa, um zelo fervoroso e uma experiência celestial e, ainda assim, se tais experiências não forem impedidas por procedimentos especiais do Senhor, pode haver uma inconsciente auto-exaltação com isso tudo. Vamos aprender a lição: a mais alta santidade é a mais profunda humildade; e vamos lembrar que ela não vem de si mesma, mas somente quando é feita um assunto de tratamento especial da parte de nosso fiel Senhor e Seu servo fiel.

Vamos olhar para nossa vida à luz dessa experiência a ver se de boa vontade nos gloriamos na fraqueza, se temos prazer, como Paulo tinha, em injúrias, em necessidades, em aflições. Sim, vamos perguntar se temos aprendido a considerar uma reprovação, justa ou injusta, uma repreensão de um amigo ou inimigo, uma injúria ou problema, ou dificuldade que outros nos trazem, como, acima de tudo, uma oportunidade de provar como Jesus é tudo para nós, como nosso próprio prazer e honra são nada e como a humilhação é, em verdade, no que temos prazer. Ser, de fato, abençoado, a profunda alegria dos céus, é estar tão livre do ego que o que for dito de nós ou feito a nós é perdido e tragado no pensamento de que Jesus é tudo.

Vamos confiar n’Ele, que se encarregou de Paulo, para que se encarregue de nós também. Paulo precisava duma especial disciplina e, com isso, de especial instrução, para aprender o que era mais precioso até do que as coisas inexprimíveis que ele havia ouvido nos céus, que é gloriar-se em fraqueza e humildade. Precisamos disso, também, oh e muito! Ele que cuidou de Paulo cuidará de nós também. Ele zela por nós com um cuidado ciumento e amoroso, "a fim de que não nos exaltemos". Quando fazemos isso, Ele busca desvendar o mal para nós e nos libertar dele. Em sofrimento e fraqueza e problemas, Ele busca trazer-nos para baixo, até que aprendamos que Sua graça é tudo, assim como para ter prazer nas próprias coisas que nos trazem para os joelhos e nos mantenham por lá. Seu poder se aperfeiçoa em nossa fraqueza e Sua presença, enchendo e satisfazendo nosso vazio o qual se torna o segredo de uma humildade que não deve falhar nunca, que pode, como Paulo fez, em plena visão do que Deus trabalha em nós e por nosso intermédio, sempre dizer: "Em nada fui inferior a esses tais apóstolos, ainda que nada sou" (2 Cor.12.11). Suas humilhações o levaram à verdadeira humildade, com o maravilhoso deleite e glória e prazer em tudo o que humilha.

"De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto poder nas fraquezas." O homem humilde aprendeu o segredo da alegria permanente.

Quanto mais fraco se sente, quanto mais baixo se afunda, quanto maiores parecem suas humilhações, mais o poder e a presença de Cristo são sua porção – até que a ele, que nada é, a palavra de seu Senhor possa trazer profunda alegria continuamente: "A minha graça te basta".

Sinto como se tivesse, uma vez mais, de reunir tudo nas duas lições: o perigo do orgulho é maior e está mais próximo do que pensamos e a graça para humildade também.

perigo do orgulho é maior e está mais perto do que pensamos e isso especialmente ao mesmo tempo que as nossas mais elevadas experiências. O pregador de verdades espirituais com uma admirável congregação ouvindo-o atentamente, o orador dotado em uma plataforma de santidade expondo os segredos da vida celestial, o cristão dando testemunho de uma experiência abençoada, o evangelista andando em triunfo e trazendo uma bênção para alegrar as multidões – nenhum homem conhece o oculto, o inconsciente perigo ao qual estes estão expostos. Paulo estava em perigo sem conhecer isso; o que Jesus fez por ele foi escrito para nossa admoestação, para que conheçamos o perigo para nós e conheçamos nossa única salvação.

Se já foi dito de um mestre ou um professor de santidade: "Ele é tão cheio do ego", ou: "Ele não pratica o que prega", ou: "Sua bênção não fez dele alguém mais humilde ou bondoso", que isso não mais seja dito. Jesus, em quem confiamos, pode fazer-nos humildes.

Sim, também a graça para a humildade é maior e está mais perto do que pensamos. A humildade de Jesus é nossa salvação: o próprio Jesus é nossa humildade. Nossa humildade é Seu cuidado e Sua obra. Sua graça é suficiente para nós, para opor-se à tentação do orgulho também. Seu poder será aperfeiçoado em nossa fraqueza. Vamos escolher ser fracos, ser humildes, ser nada. Permitamos que a humildade seja nossa alegria e deleite. Vamos, de boa vontade, nos gloriar e ter prazer em fraquezas, em tudo o que possa nos humilhar e nos manter quebrantados – o poder de Cristo descansará sobre nós. Cristo se humilhou e, por isso, Deus O exaltou. Cristo nos humilhará e nos manterá humildes; vamos consentir de coração, vamos aceitar confiadamente e alegremente tudo o que humilhe poder de Cristo fará descansar sobre nós. Vamos descobrir que a mais profunda humildade é o segredo da mais confirmável alegria, de uma alegria por nada pode ser destruída.

 

Capítulo 12

Humildade e exaltação

"O que se humilha será exaltado” (Lucas 18.14). "Deus dá graça aos humildes. (...) Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará" (Tiago 4.6,10). "Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus, para que ele, em tempo oportuno, vos exalte" (1 Pedro 5.6).

Ontem me perguntaram: "Como posso vencer esse orgulho?" A resposta é simples. Duas coisas são necessárias: faça o que Deus diz que é seu trabalho: humilhar-se a si mesmo e confie n’Ele para fazer o que Ele diz que é trabalho d’Ele: Ele o exaltará.

A ordem é clara: humilhe-se a si mesmo. Isso não significa que é o seu trabalho vencer e expulsar o orgulho de sua natureza e formar dentro de si mesmo a mansidão do santo Jesus. Não, essa é a obra de Deus, a própria essência da exaltação, na qual Ele o eleva para dentro da real semelhança do Filho amado. O que a ordem significa é isto: tome cada oportunidade de humilhar-se diante de Deus e do homem. Na confiança na graça que já está operando em si, na segurança de que mais graça para vitória está vindo e de que a luz da consciência brilha sobre o orgulho do coração e suas obras; apesar de tudo o que possa haver de fracasso e falha, permaneça persistentemente sob a ordem imutável: humilhe-se a si mesmo. Aceite com alegria tudo o que Deus permite, interior ou exteriormente, de amigo ou inimigo, em natureza ou em graça, para lembrá-lo da sua necessidade de humilhar-se e para ajudá-lo a isso. Considere a humildade como sendo, de fato, a virtude mãe, sua primeira obrigação diante de Deus, a única salvaguarda perpétua da alma e fixe seu coração nisso como a origem de toda bênção. A promessa é divina e segura: aquele que se humilhar será exaltado. Cuide de fazer a única coisa que Deus pede: humilhe-se a si mesmo. Deus cuidará de fazer a única coisa que Ele prometeu: Ele dará mais graça e Ele o exaltará no devido tempo.

Todos os tratamentos de Deus com o homem são caracterizados por dois estágios. Há o tempo de preparação, quando ordem e promessa – com a experiência mesclada de esforço e impotência, de fracasso e sucesso parcial, com a santa expectativa de algo melhor que isso despertará – treinarão e disciplinarão os homens para um estágio mais elevado de suas vidas reais. Depois, vem o tempo de cumprimento, quando a fé herda a promessa e deleita-se por se ter esforçado tantas vezes em vão. Essa lei vale em cada aspecto da vida cristã e na busca de cada virtude em separado, porque ela está plantada na própria natureza das coisas. Em tudo o que concerne a nossa redenção. Deus tem de, necessariamente, tomar a iniciativa. Quando isso estiver feito, a volta do homem a Deus acontece. No esforço de obter a obediência, uma pessoa tem de aprender a conhecer sua impotência – a ponto de desesperar-se para morrer para ele mesmo – e ser ajustado voluntária e inteligentemente para receber de Deus o fim, a completação daquilo que ele aceitou no início da vida cristã em sua ignorância. Então, Deus – que foi o Início, antes que o homem O conhecesse razoavelmente ou plenamente entendesse o que era Seu propósito – é ansiado e bem-vindo como o Fim, como o tudo em todos.

E tanto como é assim em relação à salvação, também é na busca da humildade. A ordem vem do trono, do próprio Deus, para cada cristão: humilhe-se a si mesmo. O cristão sério que atenta para ouvir e obedecer será recompensado – sim,  recompensado – com a descoberta dolorosa de duas coisas. A primeira: quão profundo orgulho havia – que é a má vontade de se considerar e ser considerado como nada para submeter-se a Deus – o qual não era conhecido de ninguém. A segunda será perceber que há completa impotência em todos os nossos esforços (e em todas as nossas orações, também, pela "ajuda de Deus") para destruir o horrível monstro. Bem-aventurado o homem que agora aprende a pôr sua esperança em Deus e perseverar, apesar de todo o poder do orgulho dentro dele, em actos de humilhação diante de Deus e dos homens. Conhecemos a lei da natureza humana: actos produzem hábitos, hábitos geram disposições, disposições formam a vontade e a vontade devidamente formada é carácter. Não é diferente na obra da graça. Enquanto temos actos de humilhação, os quais, persistentemente repetidos, tornam-se hábitos e disposições e essas fortalecem o desejo, Deus, que efectua em nós tanto o querer como o realizar (Fil.2.13), vem com Seu maravilhoso poder e Espírito e, assim, a humilhação do coração orgulhoso – com a qual o santo penitente lançou-se a si mesmo frequentemente diante de Deus – é recompensada com "mais graça" do coração humilde, no qual o Espírito de Jesus venceu e levou a nova natureza à maturidade e onde Ele, o manso e humilde, agora pode habitar para sempre.

Humilhem-se na visão do Senhor e Ele vos exaltará. E no que consiste a exaltação? A mais elevada glória da criatura é ser somente um vaso, para receber e desfrutar e mostrar publicamente a glória de Deus. Ela pode fazer isso somente quando está desejando nada ser em si mesmo para que Deus seja tudo. A água sempre preenche primeiro os lugares mais baixos. Quanto mais baixo, quanto mais vazio o homem fica diante de Deus, mais rápido e mais plenamente será o enchimento interior com a glória divina. A exaltação que Deus promete não é, não pode ser, qualquer coisa externa e à parte d’Ele mesmo; tudo o que Ele tem para dar ou pode dar é somente mais d’Ele mesmo para tomar posse de nós mais completamente. A exaltação não é, como um prémio terreno, algo arbitrário, sem a necessária conexão com a conduta a ser recompensada. Não! Mas é, em sua própria natureza, o efeito e o resultado de nos humilharmos a nós mesmos. Não é nada a não ser o dom de tal humildade divina que habita interiormente, tal conformidade e posse da humildade do Cordeiro de Deus, que nos prepara para receber plenamente o habitar de Deus no interior.

Aquele que a si mesmo se humilha será exaltado. O próprio Jesus é a prova da verdade dessas palavras e da certeza de seu cumprimento para nós. Ele é a garantia. Vamos tomar sobre nós Seu jugo e aprender d’Ele, pois Ele é manso e humilde de coração. Se não nos quisermos curvar a Ele, como Ele se curvou a nós, Ele ainda irá se curvar a cada um de nós novamente e nos acharemos em jugo que não é desigual com Ele.

Como entramos profundamente na comunhão de Sua humilhação e também nos humilhamos ou carregamos a humilhação dos homens, podemos contar que o Espírito de Sua exaltação, "o Espírito de Deus e de glória", repousará sobre nós. A presença e o poder do Cristo glorificado virão para aqueles que são humildes de espírito. Quando Deus pode novamente ter Seu devido lugar em nós, Ele nos exaltará.

Por isso, faça da glória de Deus o seu cuidado em humilhar-se a si mesmo. Ele fará sua glória, Seu cuidado em aperfeiçoar a humildade e soprá-la para dentro de si, como sua vida habitante, o próprio Espírito de Seu Filho. Como a vida sempre permanente de Deus o domina, não haverá nada tão espontâneo e nada tão doce como ser nada, com nenhum pensamento ou desejo do ego, pois tudo é ocupado com Aquele que a tudo preenche. "De boa vontade me gloriarei em minha fraqueza, para que o poder de Cristo repouse sobre mim."

Irmãos, não teremos nós aqui a razão pela qual nossa consagração e nossa fé são tão pouco úteis na busca da santidade? Foi pelo ego e sua força que a obra foi feita sob o nome de fé; foi para o ego e sua alegria que Deus foi chamado; era, inconscientemente, mas ainda verdadeiramente, no ego e em sua santidade que a alma se regozijou. Antes, não tínhamos ideia de que a humildade – absoluta, habitante, humildade e autodestruição semelhantes às de Cristo, permeando e marcando toda nossa vida com Deus e o homem – era o mais essencial elemento da vitalidade da santidade que buscamos ver.

É apenas sob o domínio de Deus que perco meu ego. Como é na altura e na largura e glória da luz do sol que a insignificância da partícula de poeira se movimentando é vista, assim também a humildade é tomarmos nosso lugar na presença de Deus para ser uma partícula de pó habitando na luz do sol de Seu amor.

"Quão grande é Deus! Quão pequeno sou!
Perdido, tragado na imensidão do Amor!
Há somente Deus, não eu!".

Que Deus nos ensine a crer que ser humilde, ser nada em Sua presença, é o mais elevado feito e a bênção mais plena da vida cristã. Ele nos fala: "Habito no lugar santo e elevado e com aquele que é de espírito contrito e humilde". Que essa seja nossa porção!

"Oh, ser o mais vazio, o mais baixo,
humilhado, não notado e desconhecido,
e para Deus o mais santo vaso,
cheio com Cristo, e somente Cristo!"

Apontamentos

Nota A

(Tudo isso é para fazer conhecida na região da eternidade que o orgulho pode degradar os anjos mais elevados e torná-los malignos e a humildade pode elevar a carne e o sangue caídos para os tronos de anjos. Assim, esse é o grande propósito de Deus em levantar uma nova criação para fora de um reino decaído de anjos; para esse fim ele permanece em seu estado de guerra entre o fogo e orgulho de anjos decaídos e a humildade do Cordeiro de Deus, que a última trombeta soará a grande verdade através das profundezas da eternidade: que o mal não pode ter início a não ser pelo orgulho e não ter fim a não ser pela humildade. A verdade é esta: o orgulho tem de morrer em si, ou nada dos céus poderá viver lá. Sob a bandeira da verdade, desista de si mesmo para com o manso e humilde espírito do Santo Jesus. A humildade tem de lançar a semente, ou não poderá haver colheita nos céus.

"Não olhe para o orgulho como um temperamento inconveniente, nem para a humildade somente como uma virtude conveniente, pois um é morte, e o outro é vida; um é totalmente diabólico, o outro é totalmente celestial. O que você tem de orgulho dentro de si é o que tem do anjo caído vivendo em si; o que você tem de verdadeira humildade é o que você tem do Cordeiro de Deus dentro de si. Se você pudesse ver o que o orgulho activo faz a sua alma, você imploraria por tudo o que encontrasse para arrancar a víbora de dentro de si, ainda que com a perda de uma mão ou de um olho. Se você visse que poder doce, divino e transformador há na humildade, como ela expulsa o veneno da natureza que você tem e dá lugar para o Espírito de Deus viver dentro de si, você desejaria ser o escabelo de todo o mundo a querer a menor posição dele."

(Spirit of Prayer (Espírito de Oração}, parte 2, pág.
73, Edição de Moreton, Cantuária, 1893).

Nota B

"Precisamos saber duas coisas: 1. Que nossa salvação consiste totalmente em sermos salvos de nós mesmos ou do que somos por natureza; 2. Que pela própria natureza das coisas nada poderia ser essa salvação ou salvador para nós a não ser tal humildade de Deus que é além de toda expressão. Por essa razão, a primeira condição inalterável do Salvador para o homem caído foi: “A não ser que um homem se negue a si mesmo, ele não pode ser Meu discípulo”. O ego é todo o mal da natureza caída; auto abnegação é nossa capacidade de sermos salvos; a humildade é nossa salvadora (...) O ego é a raiz, os galhos, a árvore de todo o mal de nosso estado caído. Todos os males dos anjos caídos e dos homens têm início no orgulho do ego. Por outro lado, todas as virtudes da vida celestial são as virtudes da humildade. Será somente a humildade que atravessa o abismo intransponível entre os céus e o inferno. E o que acontece, então, ou em que direcção vai o grande esforço para a vida eterna? Tudo isso direcciona para a luta entre o orgulho e a humildade: orgulho e humildade são os dois poderes mestres, os dois reinos na luta pela eterna posse do homem. Nunca houve, nem nunca haverá, a não ser uma única humildade, que é a humildade única de Cristo. Orgulho e ego têm o tudo do homem, até que o homem tenha seu tudo de Cristo. Ele, portanto, tem somente um bom combate, cujo esforço é o de levar a natureza auto-idólatra que ele tem de Adão à morte pela humildade sobrenatural de Cristo levada à vida nele."

Nota C

"Morrer para o ego ou sair de debaixo de seu poder não é, não pode ser feito, por nenhuma resistência activa que possamos fazer a ele pelo poder da natureza. O único caminho verdadeiro de morrer para o ego é o caminho da paciência, mansidão, humildade e resignação a Deus. Essa é a verdade e a perfeição de morrer para o ego (...). Pois se eu lhe perguntar o que o Cordeiro de Deus significa, você não tem de me dizer que Ele é e significa a perfeição da paciência, mansidão, humildade e resignação a Deus? Você não deveria dizer-me, portanto, que um desejo por essas virtudes é um desejo de salvação, é uma aplicação a Cristo, é um desistir de si mesmo para Ele e para a perfeição da fé Nele? E depois, por causa dessa inclinação de seu coração em mergulhar na paciência, mansidão, humildade e resignação a Deus, desistir verdadeiramente de tudo o que você é e de tudo o que você tem do Adão caído e perfeitamente deixar tudo o que você tem para seguir a Cristo é seu ato mais elevado de fé n’Ele. Cristo não está noutro lugar a não ser nessas virtudes; e onde elas estão, está Ele em Seu próprio
reino. Permita que esse seja o Cristo que você segue.

"O Espírito do amor divino não pode ter início em nenhuma criatura caída até que ela deseje e escolha morrer para todo o ego, numa resignação paciente e humilde ao poder e misericórdia de Deus.

"Busco por minha salvação através dos méritos e mediação do manso, humilde, paciente, sofredor Cordeiro de Deus que, sozinho, tem poder para levar adiante o bendito início dessas virtudes celestiais em minha alma. Não há possibilidade de salvação senão dentro e pelo nascimento do manso, humilde, paciente e resignado Cordeiro de Deus em nossa alma. Quando o Cordeiro de Deus tiver levado adiante um real início de Sua própria mansidão, humildade e plena resignação a Deus em nossa alma, então, esse é o início do espírito de amor em nossa alma, que, quando alcançarmos, irá deleitar nossa alma com tal paz e alegria em Deus que irá obscurecer nossa lembrança de tudo a que chamávamos de paz e alegria antes.

"Esse caminho para Deus é infalível. Essa infalibilidade é firmada no duplo carácter de nosso Salvador: 1. Quando Ele é o Cordeiro de Deus, há o princípio de toda mansidão e humildade na alma; 2. Quando Ele é a Luz dos céus e abençoa a natureza eterna e a torna em um reino dos céus – quando estamos desejosos para obter descanso para nossa alma em resignação mansa e humilde a Deus, acontece que Ele, como a Luz de Deus e dos céus, alegremente cai sobre nós, torna nossas trevas em luz – e começa o reino de Deus e de amor dentro de nós que nunca terá fim".

Nota D

Um Segredo dos Segredos: Humildade, a Alma da Verdadeira Oração

Até que o espírito do coração seja renovado, até que seja esvaziado de todos os desejos terrenos e permaneça em uma fome e sede constantes diante de Deus, que é o verdadeiro espírito de oração, todas as nossas orações serão, mais ou menos, principalmente como lições dadas a estudiosos e iremos, na maioria das vezes, pronunciá-las somente porque não nos atrevemos a negligenciá-las. Mas não se desencorajem; tomem o seguinte conselho e assim vocês poderão ir à igreja sem nenhum perigo de mero louvor da boca para fora ou hipocrisia, apesar de poder haver um hino ou uma oração cuja linguagem seja mais elevada do que a do nosso coração. Faça isto: vá à igreja como o publicano que foi ao templo; permaneça intimamente no espírito de sua mente da mesma forma como o publicano expressou-se exteriormente quando baixou os olhos e pôde dizer apenas: "Deus, tem misericórdia de mim, pecador". Permaneça imutável, pelo menos em seu desejo, nessa forma ou estado de coração; isso santificará toda petição que sair de sua boca; e quando algo lido ou cantado ou orado for mais exaltado do que seu coração é, se você faz disso uma ocasião adicional de mergulhar no espírito do publicano, você será então ajudado e grandemente abençoado, por aquelas orações e louvores que parecem somente pertencer a um coração melhor que o seu.

"Isso, meu amigo, é o segredo dos segredos; isso o ajudará a colher onde você não semeou e será uma fonte contínua de graça em sua alma; pois tudo que agita você interiormente, ou acontece exteriormente a si, se torna um bem real para você se encontrar ou estimular em si esse estado humilde de mente. Porque nada é em vão, ou sem proveito para a alma humilde; ela permanece sempre num estado de divino crescimento; tudo o que cai sobre ela é como um orvalho dos céus. Cale-se a si mesmo, portanto, nessa forma de humildade; todo bem está incluso nisso; é água do céu, que torna o fogo da alma caída em mansidão da vida divina e cria aquele óleo no qual o amor a Deus e ao homem tem sua chama. Esteja incluído, portanto, sempre nisso; permita que seja como uma vestimenta com a qual você está sempre vestido e uma cinta com a qual você está cingido; não inspire nada a não ser desse espírito e nele; não veja nada a não ser com esses olhos; não ouça nada a não ser com esses ouvidos. E depois, se você está na igreja ou fora da igreja, ouvindo os louvores a Deus ou recebendo ofensas dos homens e do mundo, tudo será edificação e tudo ajudará seu crescimento na vida em Deus".

Uma oração por humiildade

Vou aqui dar uma infalível pedra de toque, que irá provar todos em relação à verdade. É isto: afaste-se do mundo e de toda conversação, somente por um mês; não escreva, não leia, não debata nada consigo mesmo; pare todo trabalho anterior de seu coração e mente e, com toda a força do seu coração, permaneça todo esse mês, tão continuamente quanto possa, na seguinte forma de oração a Deus. Ofereça-a frequentemente de joelhos; mas se estiver sentado, andando ou em pé, esteja sempre interiormente desejoso e seriamente orando essa única oração a Deus: "Que toda a Tua grande bondade Tu a faças conhecida a mim, e tome de meu coração todo tipo, grau e forma de orgulho, quer vindo de espíritos malignos ou de minha própria natureza corrupta; e que Tu despertes em mim uma profunda verdade e profundeza daquela humildade que me faça susceptível à Tua luz e Santo Espírito". Rejeite todo pensamento, a não ser aquele de esperar e orar por esse assunto do mais profundo do seu coração, com tal verdade e seriedade, como as pessoas em tormenta desejam orar a fim de ser libertados dela (...) Se você pode e vai dar a si mesmo em verdade e sinceridade a esse espírito de oração, eu arrisco afirmar que se você tiver duas vezes mais espíritos malignos do que Maria Madalena teve, eles serão expulsos de você e você será forçado, assim como ela foi, a derramar lágrimas de amor aos pés do santo Jesus.

 

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